O Pescador, de John Langan

by - outubro 27, 2022


Eu nunca fui uma pessoa da pesca. Quando era criança meu pai até tentou me levar para algumas pescarias, mas nunca rendeu frutos. Eu posso passar cinco horas ou mais na mesma posição lendo, mas passar mais de meia hora sentada, com uma vara na mão, esperando algum peixe desavisado aparecer e tentar se alimentar com a minha isca é demais para mim. 

Não sei se é por deixar o cérebro livre para todos os tipos de pensamento, contemplar o vazio, a espera, a inatividade, mas tudo isso me deixa inapta a praticar a pesca. Quem sabe eu ainda tente algum dia com fones de ouvido, ouvindo algum audiolivro, algum podcast, algo do tipo. Mas, por hora, simplesmente é uma atividade que não está no meu horizonte futuro.

Entretanto, eu cresci entre pescadores. Alguns parentes gostavam muito de pescar, e quando morei na área rural, na infância, e tinha um rio que passava a uma distância razoável de casa (mesmo rio que tentei aprender a pescar), lembro do pessoal que descia o pequeno barranco e ia até lá. 

Apesar de não ser uma atividade para mim, eu sempre fui muito curiosa em relação às atividades das pessoas. O que leva uma pessoa a amar a pescaria? Ficar horas no meio de um rio, parada, esperando? Às vezes embaixo de chuva, às vezes virar a noite? Mais do que gostar, sempre procuro entender. E acho que O Pescador, do John Langan, me deu algumas pistas sobre isso, depois de tantos anos.

O Pescador, escrito por John Langan, ganhador do Bram Stoker de 2016, foi publicado aqui no Brasil pela DarkSide Books, com a tradução de Débora Isidoro. Eu não conhecia o autor e fiquei muito curiosa para lê-lo. 

No livro, Abraham, ou Abe, é um cara comum, mas que desenvolveu um gosto muito forte pela pescaria depois da morte de sua esposa, Marie. Depois que ela faleceu, Abe primeiro caiu em um alcoolismo desenfreado, até se encontrar, de alguma forma, na pescaria. Trabalhando em um escritório durante o dia, Abe ia aos rios da região das Catskills, no estado de Nova York, para pescar um pouco. Depois de alguns anos de seu abismo pessoal, quando a tragédia da perda da esposa também destrói a vida de um dos seus colegas de trabalho, Abe se aproxima do rapaz, chamado Dan, e o leva para pescar com ele.

Algumas coisas conectam esses dois homens: as perdas das famílias, o sentimento de solidão, e o elo formado pela pescaria. Abe conta como era difícil se aproximar de Dan, como ele sentia que o colega tinha sentimentos duros demais com ele, se ressentindo pelo fato da esposa de Dan (e seus dois filhos) terem morrido em um trágico acidente, enquanto Marie, esposa de Abe, faleceu após um período doente — como se Abe tivesse tido o direito de se despedir, enquanto Abe não o teve. E, com essas controvérsias, como a pescaria se tornou a forma perfeita de ambos estarem em companhia, mas estarem sozinhos com eles mesmos; partilhando de um momento, mas sem precisar trocar amenidades.

Nesse momento acho que algo começou a fazer muito sentido para mim, como às vezes precisamos de companhia, mas também precisamos estar sozinhos, e como a pescaria pode ser a escolha perfeita de atividade para se fazer em grupo sem, necessariamente, estar em grupo. Às vezes nos deparamos com uma tristeza tão profunda que não podemos ficar muito tempo sozinhos, mas não queremos, também, conversar com ninguém. A pesca foi a forma que esses dois homens solitários e fechados encontraram para compartilhar um momento de dor enorme que ambos passaram e estavam passando. 


Mas O Pescador é um livro de terror. E tudo isso é somente a primeira das três partes pela qual o livro é composto. Depois de um tempo indo pescar juntos, Dan sugere um local diferente para a pesca daquele fim de semana: um lugar conhecido como Dutchman's Creek. Enquanto estavam se dirigindo para lá e param para tomar café da manhã em um restaurantezinho que eles frequentavam, o dono do lugar conta a eles a estranha lenda que circula o local, a lenda do Pescador, que data de quase um século antes dos acontecimentos do livro, quando a região estava se formando. 

A lenda, contada pelo dono do restaurante, ocupa toda a segunda parte do livro. Nela, descobrimos que o local antes era uma vila, que foi despovoada para ser transformada em represa. Lá vivia um homem muito rico, que acabou se envolvendo com uma figura bastante estranha conhecida como Pescador. As coisas começaram a ficar bastante tensas no vilarejo quando uma mulher que, tecnicamente estava morta, começou a percorrer as ruas e a trazer uma série de infortúnios. Um dos habitantes do lugar, que tinha vindo da Alemanha com sua família após ter caído em desgraça por mexer com o que não devia e ter que recomeçar a vida nos Estados Unidos, acabou tomando para si a tarefa de lidar com o assunto.

Essa segunda parte foi minha favorita. É uma parte fluida, ágil, com capítulos curtos, como uma história em volta da fogueira (que são meus tipos de história de terror favoritas, deve ter a ver com as tardes que eu passava assistindo Are You Afraid of the Dark, quando menor).

"Você pode se perguntar por que estou tomando tanto cuidado. Algumas coisas são tão más que só por estarem perto de você já contaminam, deixam uma nódoa de maldade em sua alma como um caminho árido na floresta, onde nada vai crescer. Você acha que uma história pode transmitir tamanha maldade? Parece expectativa demais, não é?"

A terceira parte narra a pescaria em si. Langan já aponta que algo terrível acontece ali desde seus primeiros capítulos, preparando o leitor para o terror que vem na sequência. Não vou descrever o que acontece exatamente, mas vários momentos dessa terceira parte me deixaram em absoluto estado de "não creio que isso tá acontecendo", e aconteceu. 

Eu adorei a construção da lenda, os paralelos entre as histórias de todos os envolvidos, como tudo parecia se repetir tragicamente. Gostei muito da ambientação, da narrativa, e simplesmente adorei o final. Me surpreendeu muito. Foi um livro que demorei a ler, mais do que demoro normalmente, mas eu culpo o cansaço acumulado, não o livro, que tem uma narrativa instigante e que faz com que a gente queira continuar a leitura. As partes em que o próprio Abe diz que tudo não parece passar de "história de pescador", tamanho o absurdo daquilo que conta, deixa tudo ainda mais incrível e tão próximo de nós. Quem nunca ouviu uma boa história de pescador?

Você não precisa gostar de pesca para curtir a leitura de O Pescador, mas esteja preparado para criaturas estranhas, passagens que podem te tirar o sono e alguns acontecimentos dignos de embrulhar o estômago (Langan conseguiu algumas descrições bem vívidas em alguns momentos).

O Pescador pode ser comprado em formato físico pela Amazon*, na Loja Oficial da DarkSide Books, ou na sua livraria do coração.

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*Comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)

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