Rose Red: a casa mais assombrada de Stephen King

by - maio 02, 2023


O que acontece quando um cara entendido de terror se propõe a fazer um filme com diversos elementos e características de casas assombradas, reunidos em um único lugar?

Rose Red é uma minissérie de 2002, escrita por Stephen King e dirigida por Craig R. Baxley. Diferente da maioria esmagadora de outras obras do King, essa aqui não foi adaptada de um livro do autor (não confundir com Rose Madder, que não tem nada a ver com essa história). Rose Red é, na verdade, criada especialmente para as telas. 

Isso tem uma história por trás: dizem por aí que King queria fazer um remake de Desafio do Além, lançado em 1963 e dirigido por Robert Wise, que adapta o livro Assombração da Casa da Colina, de Shirley Jackson. King é um grande fã de Jackson, então apresentou a ideia para o Spielberg. Ninguém sabe bem o que houve, mas o Spielberg não se interessou muito. Não sabemos se era porque ele estava em outra vibe ou o que aconteceu. O roteiro do King ficou guardado, e três anos depois da Dark Castle surgiu com A Casa Amaldiçoada, dirigido pelo grande Jan de Bont que errou demais a mão nessa farofa.

Aí, em 2002, King apareceu com Rose Red. Na história, a mansão amaldiçoada Rose Red foi construída no centro de Seattle como presente de casamento de John Rimbauer para sua esposa Ellen. Desde cedo a casa era bastante estranha, tudo bem, mas as coisas começaram a piorar com os anos: os homens eram mortos pela casa, e as mulheres desapareciam. Em uma atividade semelhante à da casa Winchester, Ellen começou a construir quartos em Rose Red. Quando Ellen morreu, a casa começou a se construir sozinha.

Muitos anos depois, a professora de psicologia dra. Joyce Reardon (Nancy Travis) reúne um grupo de paranormais para irem até Rose Red. A casa está adormecida, afirma ela, então não há perigo para aqueles que aceitarem ir. Ela promete um pagamento de $5 mil dólares para cada um deles, e ca\da um deles tem um talento especial: Emery Waterman (Matt Ross), um vidente com retrocognição que consegue ver espíritos; Nick Hardaway (Julian Sands), um telepata poderosíssimo; Pam Asbury (Emily Deschanel), que tem habilidades psicométricas e, quando toca em algo, consegue sentir as vibrações e estados pelos quais o objeto ou pessoa passou; Cathy Kramer (Judith Ivey), que tem habilidades de psicografia; e Victor Kandinsky (Kevin Tighe), que tem precognição. O grupo é quase como os Vingadores dos médiuns. 


Mas Joyce está interessada particularmente em uma outra pessoa: Annie Wheaton (Kimberly J. Brown), uma adolescente com poderes que deixa todos os outros médiuns no chinelo. Depois de muito insistir e de oferecer ainda mais dinheiro a ela, sua irmã, Rachel (Melanie Lynskey), aceita levá-la para o experimento em Red Rose.

Além desse grupo no mínimo excêntrico, está também Steven Rimbauer (Matt Keeslar), único herdeiro da família Rimbauer e atual proprietário da mansão Rose Red.

Se você tem algum contato com histórias clássicas de casas assombradas (principalmente aquelas feitas ali pelos anos 1960 e 1970) e/ou com as histórias do Stephen King, você deve imaginar que as coisas aqui não terminam muito bem para uma parte dos envolvidos. Joyce é, na verdade, uma mulher que tem perseguido a fama e quer, a todo custo, volta a fazer sucesso. Os membros de sua comitiva mediúnica são somente peões em seus vontades. E isso fica claro a nós desde muito cedo no filme. 

Mas o ponto alto da trama não está em seus personagens, infelizmente. King consegue criar personagens cativantes sempre, ao mesmo tempo que consegue criar aqueles personagens que a gente tem vontade de dar um chute no traseiro, é verdade (mesmo com todos os tropos que o autor segue em seus personagens, que eu já mencionei no texto de Joyland); mas aqui, em Rose Red, eu acho que o grande e maior triunfo de King é em sua casa assombrada, a própria Rose Red.

Dentre as casas assombradas, a mais assombrada

Uma das coisas que eu mais gosto no Stephen King é a forma como ele conhece o terror, independente que eu concorde com as opiniões dele ou não. Já contei algumas vezes que comecei a ler King com os livros de não ficção dele, e acho que isso pesou demais em delinear minhas coisas favoritas no autor. Então, quando vejo pequenas referências, quando entendo de onde ele tirou suas inspirações e, principalmente, quando ele faz uso e até subverte alguns tropos clássicos do gênero, eu fico encantada.

Talvez por isso Salem's Lot seja meu livro favorito dele. Mas isso é tema pra outro texto. 

O ponto aqui é que o King conhece casas assombradas, e Rose Red é um enorme reflexo disso.


A começar pela ideia de reunir um grupo paranormal e ir até um local assombrado. Durante os anos 1960 e 1970 (alguns anos para mais, alguns para menos), onde alguns dos maiores clássicos do gênero foram feitos, a citar Assombração da Casa da Colina (1959), Hell House (1971) e Golgotha Falls (1984), a parapsicologia estava em alta. Seja pelo envolvimento de Lorraine e Ed Warren em suas peregrinações assombradas pelos Estados Unidos, seja pelos casos de possessão que estavam pipocando mais que nunca em diversos lugares (Enfield, Amityville, o caso de Anneliese Michel e até mesmo o surgimento do livro O Exorcista, que narra uma experiência do final dos anos 1950 mas vê a luz e a popularidade nos anos 1970), o fato é que a parapsicologia ficou um tempo na moda. E, nessa, a literatura e até mesmo o cinema se aproveitaram para colocar grupos liderados por algum parapsicólogo para investigar fenômenos paranormais em locais assombrados.

E, é claro, aí temos a casa. Rose Red é uma força sobrenatural por si mesma. Ela é o amálgama de todas as casas assombradas que Stephen King consumiu avidamente ao longo dos anos e resultado de uma extensa pesquisa, isso é notado facilmente. Cenas que espelham esses romances consagrados que citei, além de referências óbvias como Shirley Jackson mencionada por um dos personagens e a casa Winchester, sempre com novos quartos, só comprovam que Rose Red é quase um parque de diversões para os fãs de terror: ela é o conjunto da obra, a casa assombrada final.


Se Rose Red tivesse tido um pouco mais de investimento, talvez uma mão mais firme na direção, um pouco mais de cuidado na produção e um roteiro mais limpo, ela poderia ser a maior casa assombrada de Stephen King — quiçá competindo diretamente com as maiores casas assombradas do terror.

Rose Red poderia ser ainda mais assustadora que o Overlook.

Para mim, a força de O Iluminado reside principalmente na ligação de Torrance com a bebida, e como isso o transformou em uma pessoa aberta aos horrores do Overlook. Um local assombrado, sim, mas mais ainda para aqueles que eram suscetíveis a ele. Muitas coisas horríveis aconteceram ali, como bem sabemos através do livro, e como, imagino, muitos fãs adorariam saber mais sobre o passado do hotel horripilante. Overlook tem seus fantasmas e é uma construção aterrorizante, com suas vontades próprias. Mas, e apesar de tudo, o Overlook é menos vivo, por assim dizer, do que uma Casa da Colina, ou uma Hell House. 

Diferente de Rose Red. 

Rose Red se constrói e desconstrói a seu bel prazer. Mais fascinante e perigosa (e com mais graduações na arquitetura e construção civil) do que a Casa Winchester, Rose Red se sobressai entre as casas mais perigosas da ficção.


Por que, então, ela falhou tanto em se fixar no imaginário dos fãs?

Infelizmente, pelos motivos citados anteriormente: sendo uma obra criada somente para as telas, eu tenho para mim que o roteiro não ficou da forma como poderia ter sido com as mãos do King em uma narrativa longa, por exemplo. Isso, é claro, é só especulação. Mas sinto que essa casa tinha um potencial absurdo, que ela poderia ser muito mais do que foi. A história da sua criação poderia e deveria ter sido melhor construída, seus fantasmas poderiam ser muito mais aterrorizantes com um carinho a mais pelo roteiro. 

Com a falta (ou mesmo a preguiça de detalhar, talvez) desses personagens base, desse background da história, dos motivos que levaram a casa até ali, a história se torna vazia. Independente do esforço para criar essa mansão assustadora, que pode fazer um milhão de coisas, como construir quartos e sumir pessoas, ela acaba perdendo sua força. 

Rose Red é um filme até chato de achar (mas tem no youtube do Cine Antiqua). Não é ruim, mas não é bom. Fica ali no eterno meio termo do que poderia ter sido, mas não foi. O que é uma pena. Rose Red é uma casa assombrada das mais interessantes, mas duvido que veremos mais dela, com uma melhor construção ou um melhor pano de fundo.


Observação post scriptum: há, sim, um livro sobre Rose Red. O livro se chama The Diary of Ellen Rimbauer: My Life at Rose Red, e foi escrito por Ridley Pearson, utilizando o pseudônimo da doutora Joyce. Houve uma adaptação mais tarde, em 2013. Mas não aumenta muito o lore principal da coisa toda. E, tecnicamente, não é do King, então não sei até que ponto podemos considerar canônico. 

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