Meu ano de descanso e relaxamento, de Ottessa Moshfegh

by - janeiro 23, 2023

Pintura de Carl Holsøe, Sleeping Girl

Um nome que sempre pingou aqui e ali nas minhas leituras de listas e textos sobre literatura foi Ottessa Moshfegh. Até mesmo quando fui ler um livro de contos da Shirley Jackson ela estava lá, escrevendo a introdução do livro. 

Mas, até então, não parecia ainda o momento para ler Ottessa Moshfegh. Eu comprei Meu ano de descanso e relaxamento meses atrás, mas esperei até agora para lê-lo. Tem livros que são assim: você está com a faca e o queijo na mão, mas acaba devolvendo a faca ao escorredor e o queijo para a geladeira, e pegando um copo de iogurte. Não é o momento certo para o queijo.

Mas decidi que meu primeiro livro de 2023 seria Meu ano de descanso e relaxamento. Lançado no Brasil pela Todavia, com tradução de Juliana Cunha, a história acompanha uma protagonista que decide hibernar um ano inteiro, à base de remédios, e acredita que quando acordar será uma pessoa melhor, terá uma vida melhor, passará por momentos melhores. 

Essa protagonista tem algumas características interessantes: órfã, perdeu pai e mãe quando estava na faculdade; é formada em artes; é extremamente rica; e eu não diria que é lá uma pessoa boa. Seus comentários são maldosos, sua visão de mundo é simplista, é extremamente egoísta e até mesmo sua ideia de hibernar por um ano inteiro é, de certa forma, um pouco ridícula.

Temos também alguns outros personagens que são mencionados com frequência, apesar do foco narrativo se manter na protagonista: as mais importantes são Reva, "amiga" da narradora, e Dra. Tuttle, a psiquiatra. Também ouvimos muitas histórias sobre a mãe, o pai e um ex-namorado da narradora, Trevor. 

Quando o romance começa, a narradora está lidando com esse vazio que sente dentro de si mesma. Ao longo da história nós notamos que, realmente, sua vida entre seus pais não foi um poço de carinho ou uma grande alegria. Ao crescer, assim que chegou à faculdade, ela se envolveu em um relacionamento extremamente conturbado (e perturbado) com este Trevor, e durante anos não conseguiu sair disso. No início do romance, eles tinham terminado há algum tempo (mas no meio do livro eles fazem um flashback). 

Reva é amiga da narradora da época da faculdade. Apesar da narradora pintá-la como uma garota fútil, desmiolada, desastrada e irritante, eu tive um pouco de carinho por Reva. Já a Dra. Tuttle é a psiquiatra a quem a narradora contrata para conseguir seus remédios fortíssimos para dormir.


 E, falando em remédios, nossa protagonista tem milhares deles. Mas, ao tomar um remédio extremamente forte, algo acontece que reverte todos os outros: antes, ela conseguia dormir. Agora, quando toma esse remédio especial, acaba ficando em um estado meio morto-vivo, e faz todas as coisas que, ela mesma confessa, adoraria fazer quando acordada. Vai à boates, conhece gente nova, faz parte de coisas. 

É como se dormindo ela fosse capaz de ser alguém que realmente faz alguma coisa. Mas não é ainda isso que ela quer. Ela quer dormir por meses a fio a fim de encontrar uma existência melhor. 

Era uma tristeza particular de menina que perdeu a mãe — complexa, raivosa e delicada, mas estranhamente esperançosa. Reconheci aquilo tudo, mas nada reverberava dentro de mim.

Eu realmente gostei do livro, e ainda me pego pensando bastante sobre ele (eu o li há umas duas semanas). É interessante, nos coloca num lugar de audiência dessa situação tragicômica em que uma mulher de 26 anos resolve dormir o máximo que consegue para não ter que lidar com a vida — uma vida extremamente vazia. É bastante possível que a narradora tenha problemas internos, uma depressão profunda e outros prováveis distúrbios de natureza emocional. Não estou me desfazendo destes problemas ou de sua possível depressão que, ela mesma, não leva a sério, mas com uma vida de tantos privilégios, será que dormir um ano inteiro, tratando o resto do mundo como lixo, é uma saída realmente? 

Às vezes é. Pode ser que seja. Quantas vezes a gente não quer resolver um dia ruim com uma boa soneca. O ponto é que não acho, mesmo, que essa personagem tenha sido feita para que nos apeguemos a ela. A Moshfegh, aqui, utiliza uma situação e exagera sobre ela, com diversos elementos de humor e de absurdo, pra que a gente acompanhe essa personagem e tenha essa série de sentimentos em relação à ela — e ela faz isso muito bem. É difícil terminar esse livro sem sentir fortes sentimentos com a personagem. Mas, para mim, é a jornada dela que importa aqui, e tudo descamba num momento muito doloroso no final. Fiquei surpresa e até um pouco triste quando percebi para onde o livro se encaminhava.

Foi uma boa leitura, me deixou com vontade de fazer um milhão de coisas e aproveitar a vida enquanto ainda dá tempo. Não sei, não parece ser o tipo de sentimento que a maioria das pessoas têm ao ler o livro, mas me deu uma chacoalhada em relação ao sarcasmo e ao cinismo que é tão presente na palavras da narradora e ao seu redor. 

Estou ansiosa para ler outras coisas da Moshfegh.

Meu ano de descanso e relaxamento, de Ottessa Moshfegh, está disponível na Amazon* em formato físico e em formato digital.


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*Comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)

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2 comentários

  1. Meu deus, quando vi o nome desse livro a primeira vez achei que era algo como auto-ajuda ou pelo menos pro lado da não ficção autobiográfica! Entendi tudo errado e agora tô bem curiosa...rs

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    1. HAHAHAHAHAHA o nome deixa a gente meio confuso mesmo né? Mas é um livro bem interessante. Ele te faz sentir muitas coisas, e já percebi que coisas muito diferentes de pessoa pra pessoa, inclusive. Vale a pena dar uma chance.

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