Aos Meus Amigos, de Maria Adelaide Amaral
Para começo de conversa, eu nem sabia se queria trazer essa resenha para cá. Veja bem: não é o tipo de livro sobre o qual eu escrevo, e eu tenho um certo tipo de problema em misturar as coisas que faço. Ao mesmo tempo, não queria ter que abrir um blog para escrever só sobre livros que leio e que não são de terror, ou que não tem elementos insólitos, ou qualquer coisa do tipo. Então fiquei com essa dúvida: o que eu faço?
E resolvi fazer isso mesmo: escrever um pouco sobre minha leitura de Aos Meus Amigos, da Maria Adelaide Amaral. Não é, realmente, um livro de terror, ou de mistério, ou qualquer coisa semelhante. Mas e daí.
Era uma tarde quente de novembro, no ano passado, quando eu estava sem nada para fazer — o que sugere que era um final de semana — quando decidi vasculhar alguns livros que eu tinha estacionados aqui. Minha mãe, em um esforço significativo, comprou para mim a coleção Mulheres na Literatura da Folha de São Paulo. Ela ia todos os domingos à banca de jornal para pegar o volume novo. Tenho a coleção toda aqui, mas confesso que li poucos dos livros.
Então nessa tarde especial em novembro resolvi olhar para essa coleção e escolher um livro curto. Eu acho que estava entre-livros, e estava de saco cheio, e não queria ler absolutamente nada, mas queria desesperadamente ler alguma coisa (é um sentimento muito próprio que deve ter alguma palavra em alemão que o represente). Então encontrei o livro Tarsila, da Maria Adelaide Amaral. É uma peça teatral, sobre a vida de Tarsila do Amaral, seus encontros e desencontros. Não sabia muito sobre a vida da artista, mas o livro é muito instigante: uma narrativa ágil, fluida, com diálogos excelentes, logo eu li o livro inteiro e fui atrás de saber quem era Maria Adelaide Amaral.
Dramaturga, escritora, Maria Adelaide Amaral tem alguns livros publicados, escreveu algumas novelas, mas o que mais me chamou a atenção, naquele momento, foi Aos Meus Amigos, livro publicado em 1992. Maria Adelaide se inspirou na morte do jornalista Décio Bar, seu amigo pessoal, para escrever essa história, que, entre outras coisas, narra os caminhos de um grupo de amigos.
Eu me interesso muito por narrativas com certos dramas pessoais, que nos levam a encarar de frente sentimentos tão feios de pessoas. E Aos Meus Amigos tem um monte desses sentimentos.
Tudo gira em torno da morte de Leo (o personagem inspirado em Décio Bar), que cometeu suicídio. Ao longo das três partes do livros vamos conhecendo cada um de seus amigos, seus amores, sua vida, a vida dessas pessoas que se encontraram depois de tantos anos sem se ver para celebrar essa pessoa que, antes, fez parte de suas vidas.
Alguns desses amigos são de um grupo da infância, amigos que cresceram juntos; outros, chegaram já mais tarde. Mas todos eles formam um mosaico de personagens muito rico. Publicado em 1992, Adelaide escreve principalmente sobre personagens que fizeram parte dessa intelectualidade cultural brasileira das décadas de 1960, 1970; eram jornalistas, escreviam em revistas, editores, alguns deles foram presos e torturados na ditadura, frequentavam os bares e as reuniões de partidos que iam contra o governo totalitário do período. Tudo isso tem o peso nesses personagens, mas nunca voltamos ao passado: a narrativa é sempre no agora, nos sentimentos de hoje. Apesar de olharem ao passado com certa nostalgia, o grande impacto do livro está, para mim, no que essas pessoas se tornaram.
Amores perdidos, amizades desfeitas, traições, tristezas guardadas de décadas, muita amargura e situações extremamente delicadas entre essas pessoas são pensadas e repensadas neste livro que, apesar de tudo, tem uma narrativa tão rápida, tão ágil, que faz você engolir aos trancos e barrancos algumas das partes mais danosas.
Aos Meus Amigos é um livro, para mim, principalmente sobre perdas. Não só a perda de Leo, mas cada personagem ali perdeu alguma coisa importante, mesmo que seja um pedaço deles próprios.
Sendo um livro publicado em 1992, também, tem algumas partes que hoje a gente pode torcer um pouco o nariz (atento até ao fato do uso do termo homossexualismo que, hoje, já está em desuso há anos, por causa do uso pejorativo do sufixo ismo [minha edição é de 2012, não tenho certeza se há uma edição mais nova no mercado onde isso já foi consertado]; ou mesmo a um dos personagens que gosta de "garotos", com esse sentido mesmo), mas a forma como Aos Meus Amigos constrói essa paisagem dessas pessoas, que cresceram juntas, lutaram juntas por um ideal que já não acreditam mais, e que perderam tanto juntas, é um tipo de documento histórico interessante de analisar. Porque a literatura de certa época é, também, documento histórico.
Ditadura para mim é um assunto muito doloroso. Nas aulas que tive na escola, nos livros que li, nos documentos, nos filmes, a ditadura (brasileira, argentina, do restante da América Latina) é, para mim, um dos temas mais delicados. Quando soube dessa história escrita pela Maria Adelaide eu tive que lê-la e precisava expor um pouco dos meus sentimentos aqui, dessas pessoas que sobreviveram e que se tornaram o que se tornaram: seus sonhos esquecidos, suas vontades deixadas de lado, até mesmo a forma como olham para a vida.
Se esse livro tivesse um gosto, seria um gosto extremamente amargo, mas que quando desce pela garganta você consegue sentir um fundinho doce. Gostei muito da leitura porque me deixou com muitos sentimentos mistos: é uma história triste, mas também tem momentos tão humanos, tão profundos, tão doloridos, e outros que te causam uma reflexão tão profunda sobre si mesmo que eu não poderia deixar de prestar atenção nela por um momento.
Em 2008 a TV Globo adaptou o livro como uma minissérie, exibida em 25 capítulos, intitulad. Infelizmente ainda não assisti porque até agora não encontrei em lugar nenhum, somente alguns box sendo vendidos. Mas pretendo assistir em algum momento. O elenco conta com Dan Stulbach, Denise Fraga, Débora Bloch, Matheus Nachtergaele, Fernanda Montenegro, Aracy Balabanian, Nathália Timberg e tantos outros nomes incríveis.
E se você se interessa em conhecer mais autoras brasileiras, saiu ontem (05/12) o desafio anual de leitura do Leia Mulheres, e o tema deste ano será Brasil. Cada mês tem um tema, e ao longo dos meses terão dicas de algumas autoras que podem se encaixar em um ou mais temas. Todos os anos eu tento participar, e sempre acabo parando no meio. Mas vou fazer a lista e tentar seguir em 2023 de novo, porque o negócio é tentar. Vou postar minha lista aqui no blog também, pra ajudar a quem está procurando por novas leituras
Aos Meus Amigos, de Maria Adelaide Amaral, pode ser lido tanto em fevereiro, na categoria "um livro que tenha a ditadura como tema", como em novembro, com a categoria "um livro lançado na década de 1990". Participe, não deixe de seguir a página do Leia Mulheres no Instagram (@_leiamulheres) e conhecer autoras brasileiras.
Aos Meus Amigos, de Maria Adelaide Amaral, está disponível para comprar na Amazon*, em formato físico ou em ebook.
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