O que há depois do slasher: The Final Girl Support Group, de Grady Hendrix

by - abril 19, 2023


Eu acho sempre muito engraçado ver a reação das pessoas quando digo que meu Pânico favorito é o terceiro. Tenho plena consciência que, na maioria das vezes, meu filmes favoritos não são os favoritos da crítica ou melhores filmes, sei bem disso, mas é divertido porque as pessoas me olham com aquela cara de "meu deus, eca", como se eu tivesse, sei lá, lambido um corrimão.

Eu tenho um motivo muito simples e razoável (na minha cabeça) de ter Pânico 3 como favorito na franquia: eu amo ver o que a Sidney se tornou naquele momento. Pânico 3, pra mim, foi um dos primeiros filmes que eu vi a reação do que acontece depois do slasher, e do que a final girl resolve fazer depois de ter passado pelo trauma. Eu não levo o 2 tão em consideração porque ela ainda estava na faculdade, mas vejo Pânico 3 como uma Sidney mais madura, vivendo sozinha com seu cachorro, em sua casa afastada da cidade extremamente segura, ajudando outras vítimas de trauma a lidarem com o que passaram.

Veja bem, eu não acho que vítimas de traumas devem seguir pelo resto de suas vidas se dedicando a outras pessoas, as ajudando ou coisa do tipo. Mas eu vi aquela cena e algo tão profundo em mim aconteceu. Eu vi um caminho tão possível, algo tão bonito nesse destino. Sidney se encontra com o Ghostface várias vezes depois. Mas ali, naquele momento, eu vi uma heroína em quem eu queria me espelhar e queria pensar mais sobre ela.

Depois, claro, eu vi que a Sidney não era a única que havia trilhado outros caminhos em seus dias pós-slasher. E isso começou a me chamar atenção: o que essas final girls fazem depois que elas se encontram com seus vilões e "vencem"? Tirando o fato de que quando as vemos de novo elas acabam se encontrando novamente com seus assassinos mascarados, comecei a pensar sobre essas personagens, o que há para elas depois desse momento?

Pude pensar nisso melhor conforme fui assistindo a outras franquias de slasher mais tradicionais. Em A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos, Nancy aparece em um papel muito semelhante ao que Sidney faria 13 anos depois: ela quer ajudar jovens que estão passando pelo mesmo que ela. No caso de Nancy, entretanto, ela ajuda isso efetivamente tentando combater Freddy Krueger. 

Duas franquias menos regulares e que tiveram reboots mais significativos, como Halloween e O Massacre da Serra Elétrica, mudaram o destino de suas final girls originais algumas vezes. Laurie Strode, por exemplo, foi irmã de Michael em uma delas, tendo uma filha e morrendo em seguida. Em outra, fugindo para se proteger, também acaba tendo um filho e se torna diretora de um colégio, onde é forçada a lutar contra Michael de novo. No remake de Rob Zombie, Laurie é novamente irmã de Michael, mas a história do remake termina antes de sabermos o que ela fará a seguir. A mais interessante de certa forma, para mim, é na trilogia recente, quando Laurie se torna ciente da possibilidade de Michael Myers retornar. Seu interesse não é exatamente proteger alguém em específico, mas deter Michael Myers. Já Sally Hardesty, que teve um destino um pouco triste em sua franquia original — primeiro em estado catatônico em O Massacre da Serra Elétrica 2, e depois com o anúncio de que havia morrido, em Leatherface - O Massacre da Serra Elétrica 3 — acaba recebendo um destino semelhante ao de Laurie em O Massacre da Serra Elétrica de 2022, onde se prepara para uma vingança contra seu vilão. 

Cada um lida com o luto de forma diferente, assim como lida com o trauma de forma diferente, e ver essas final girls, com seus destinos, me fez pensar. Não sendo ingênua de não pensar também, claro, que essas personagens foram chamadas de volta para suas franquias porque fizeram sucesso e os fãs queriam ver mais delas. Mas para além disso: o que há depois do seu próprio slasher?

Recentemente eu li The Final Girl Support Group, do Grady Hendrix, que levanta, na forma de ficção, questionamentos parecidos com os meus: usando analogias de final girls famosas, Hendrix meio que cria uma variedade interessante de personagens que estão lidando com seus pós-slasher cada uma de sua própria forma.


Nossa protagonista é Lynnette [sua história é um aceno à Denise, de Natal Sangrento (1984), interpretada por Linnea Quigley], que frequenta o grupo de apoio emocional às final girls há um tempo. Nós também temos Marilyn [baseada na Sally de Marilyn Burns, em O Massacre da Serra Elétrica (1974)]; Dani [baseada na Laurie de Jamie Lee Curtis, de Halloween (1978)]; Julia [baseada na Sidney de Neve Campbell, de Pânico (1996)]; Heather [baseada na Nancy de Heather Langenkamp, em A Hora do Pesadelo (1984)] e Adrienne [baseada na Alice de Adrienne King, em Sexta-Feira 13 (1980)]. Essas inspirações ficam bem claras nas histórias das personagens, mesmo que não tanto em suas personalidades. E, também, a psicóloga que acompanha as personagens, a dra. Carol [que faz referência a Carol J. Clover, que escreveu o livro Men, Women and Chain Saws].

No livro, Lynnette está desconfiada, depois da notícia de que Adrienne foi morta no acampamento para vítimas de traumas que ela comanda afastado da cidade, de que há alguém querendo dar cabo das final girls. Em uma trama cheia de possibilidade de quem poderia estar por trás disso, vamos tendo alguns vislumbres dessas personagens quebradas, cheias de problemas, que resolveram lidar com seus traumas da forma que elas encontraram.

Não vou dizer que concordo com a forma que Hendrix escolheu para lidar com algumas das personagens, até porque não é essa minha intenção aqui. Mas gosto muito dessa abordagem: e o depois? O que acontece com essas personagens depois que elas enfrentaram seus monstros, viram seus amigos morrerem, tiveram que lutar por sua sobrevivência? O que acontece com as final girls depois que o filme acaba e a TV é desligada? 

A gente sabe bem que um filme se encerra em si. Às vezes, é aquilo mesmo, e quando ele acaba ele deixa o espectador com seus questionamentos sozinho (ou sem questionamentos, tudo bem também). Mas imaginar o depois desse tipo de terror indescritível me acompanha muito quando penso em slashers e final girls. Talvez por isso esse tipo de filme, essas sequências que contam com as mesmas personagens seguindo suas vidas, e encontrando novamente seus terrores (ou mesmo novos terrores) me chame tanta atenção. Gosto de saber o que aconteceu com elas. 

The Final Girl Support Group valeu para mim dessa forma: como parte de um exercício que sempre fiz e sempre faço, nessa tentativa de ver os autores demonstrando como essas personagens lidam com o trauma. As final girls, apesar de não terem sido criadas com esse propósito, tecnicamente, acabaram se tornando um tipo de símbolo para algumas mulheres, principalmente as fãs de horror, de força e de coragem. Elas se transformaram ao longo dos anos, e os filmes mais recentes, que trazem essas personagens de volta à vida, acompanharam as mudanças do que é ser uma final girls. O livro tem seus altos e baixos, mas é uma leitura interessante para quem gosta desse tema, e para quem também gostaria de ver mais do que pode existir depois do slasher.

The Final Girl Support Group, de Grady Hendrix, ainda não tem tradução para o português; mas sua versão em inglês está disponível na Amazon,* em edição física ou em ebook.


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*Comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)

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