Halloween: O Início, de 2007, e Halloween, de 2018.
Acho interessante como alguns personagens do terror, principalmente os vilões mascarados — muito mais que suas vítimas, ou mesmo as final girls —, acabam sendo tão facilmente reconhecidos pelos espectadores que têm pouco ou nenhum contato com os filmes de terror. É fácil saber quem é Freddy e quem é o Jason, ou o cara lá do Halloween — mesmo quando as pessoas não dizem o nome de Myers.
Isso às vezes faz com que o público mais recorrente, ou que o público fiel, fique um pouco indignado ou reticente quando esses personagens tem sua origem alterada. Ou que as linhas temporais mudem. Ou que qualquer alteração seja feita na história desses personagens.
Mas também acho que essa frequência e essa facilidade de reconhecimento faz com que esses personagens tenham um leque de possibilidades. Há um universo inteiro para ser explorado — ou refeito. E Halloween é uma das franquias que mais teve alterações ao longo de sua história. São três linhas temporais e um remake, além de um filme que se desconecta completamente do lore.
Diversos cineastas foram responsáveis por dar vida ao Michael Myers. Mas vou focar nos últimos filmes lançados: o remake de Rob Zombie e a última linha temporal a ser explorada, a atual, que se iniciou em 1978 e continuou em 2018, 40 anos depois.
Halloween: O Início, de 2007, foi escrito e dirigido por Rob Zombie, e é um remake completo de Halloween de 1978. Enquanto isso, o Halloween de 2018 é uma continuação do Halloween de 1978, e contou com a consultoria de John Carpenter.
Tem um detalhe nesses dois filmes que é interessante de ser observado: como nos Halloweens do Rob Zombie ele tentou, de certa forma, mostrar o processo de criação de Michael Myers, tentando deixar o personagem mais humano aos olhos do público; já no Halloween de 2018, a intenção é completamente diferente, algo como "não, este homem — se é mesmo um homem — é um monstro".
Nos filmes de Rob Zombie nós vemos a infância complicada de Myers, seu apego com a sua mãe, seus problemas na mente, suas ilusões e alucinações. Nós temos um panorama da vida desse personagem. No final, esses dois filmes são muito mais focados na personalidade de Myers. A Laurie Strode, interpretada em 2007 por Scout Taylor-Compton, uma personagem que é considerada por muitos como a segunda protagonista da franquia, fica completamente apagada diante das ações de Myers. Myers é a verdadeira estrela de Zombie. É nele que temos que pensar, é ele que estamos tentando compreender.
Algo muito diferente acontece em Halloween 2018. Uma continuação direta dos eventos de 1978, pouco sabemos da vida de Michael Myers. Sabemos que ele assassinou sua irmã, e sabemos que entrou numa ânsia assassina contra Laurie Strode. No filme de 2018, o assassino está de volta, mas temos outras coisas a observar. Além de estarmos interessados nessa vontade constante e, pelo que acompanhamos, bastante infeliz em descobrir as motivações de Myers, estamos acompanhando Laurie Strode e seus traumas, como sua família reagiu nesses 40 anos depois.
Durante o filme de 2018 uma coisa fica muito clara: Michael Myers não é só um homem com um passado difícil que enlouqueceu. O filme nos leva a crer inclusive que ele nem seja humano — vide que ele sobrevive no final, mais uma vez, como vemos no trailer. Enquanto muitos tentam descobrir o que leva Myers a matar, fica bastante claro que o motivo dele é uma fúria cega e assassina, que dificilmente tenha alguma resposta. Quase como se o filme de 2018 criticasse exatamente essa necessidade de transformar Myers, um assassino perseguidor e sanguinário, em humano.
Myers sempre foi considerado o boogeyman, o bicho papão, "a forma". Considerá-lo algo distante do ser humano está no cerne do personagem. Mas a escolha de Zombie, aqui, é completamente diferente. O Myers de Zombie tem um passado muito mais elaborado que qualquer outro da franquia. Ao longo da série tivemos alguns filmes em que descobrimos um pouco mais sobre o vilão, mas nem de longe isso é tão explorando quanto nos filmes de 2007 e 2009.
Não estou dizendo, entretanto, que isso faz com que um filme seja melhor que o outro — apesar de, particularmente, ainda preferir o de 2018.
Eu não sou a maior fã do Rob Zombie, e não gosto tanto assim dos seus filmes. Mas depois que assisti Going to Pieces, documentário sobre a história do Slasher, eu criei um certo tipo de simpatia e respeito por ele. O cara foi e vendeu seus filmes, o que ele acreditava, quando claramente só ele acreditava naquilo, e fez parte de um movimento muito forte dos anos 2000, junto de Eli Roth e de James Wan também. Os três nomes são pilares importantes do que vimos nos cinemas de terror na primeira década desse milênio, ao lado dos remakes ocidentais de filmes orientais.
Rob Zombie é um fã de filmes de terror e isso fica óbvio quando vemos suas produções, suas músicas, as referências que usa em todos os seus trabalhos. Me parece um caminho muito fiel a si mesmo querer dar esse ponto de vista de Myers, explorar essa visão. Seus remakes fazem sentido dentro dessa lógica, e existe aí uma grande quantidade de fãs de Halloween que é fã também de sua versão.
Perceber esse tipo de narrativa é também reconhecer para onde os cineastas querem que a gente volte nossos olhos. Pode parecer óbvio ler algo desse tipo, mas muitas vezes deixamos passar esses detalhes. Rob Zombie quer que vejamos o Michael Myers ao dar os holofotes a ele. David Gordon Green e Jeff Fradley, diretor e roteirista, respectivamente, do filme de 2018, se voltam à família de Laurie Strode e à sua história para mostrar consequências desse encontro de 40 anos atrás.
Esses personagens possibilitam essas visões, e Halloween é uma das franquias que mais ousou transformar seu personagem principal, ou mesmo suas histórias antagônicas. Ficamos ansiosos para saber como serão os próximos passos de Michael Myers, mesmo que na maioria das vezes a gente saiba que, em seu cerne, ele é um personagem cruel e aterrorizante, e é só isso que nos basta.
Não posso dizer se considero a visão de Zombie correta ou não, e nem acho que é disso que se trata, mas me interessa olhar essas diferenças de cineastas a contar uma "mesma" — com muitas aspas — história, em momentos diferentes e, com certeza, com influências, opiniões e vontades diferentes. Há muito mais a se observar em um filme do que só o que sobra dele quando terminamos de assistir. Existem uma série de escolhas feitas ao se contar uma história, e me interessa pensar sobre essas escolhas.
Dizem que alguns detalhes dos filmes passados serão utilizados em Halloween Kills e em seu predecessor, Halloween Ends. Como fã de Halloween, estou ansiosa para ver o que farão com os personagens da franquia nos próximos lançamentos.
Halloween: O Início e Halloween II, ambos do Rob Zombie, estão disponíveis na Amazon Prime Video; já o Halloween de 2018, que recebe uma continuação em outubro desse ano, está disponível na Netflix.

1 comentários
Ótimo texto
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