[FILME] Criaturas do Senhor, de Saela Davis e Anna Rose Holmer

by - abril 12, 2023


Vou começar esse texto falando sobre algo que sinto sobre os filmes de terror, mesmo que o filme que eu vá falar hoje, em si, não seja de terror. Então, assim: eu tenho um preconceito muito grande com os filmes de terror dentro do subgênero "rape revenge". É algo que todos que me acompanham sabem. Meu maior problema com ele é que, na maioria das vezes, das histórias que vi, o tema parece ser tratado de forma tão leviana, tão ignorante, deixando de fora partes tão importantes que deveriam ser tratadas quando falamos de abusos (sexuais, nesse caso, mas todos os outros) que são filmes que eu acabo preferindo não comentar ou não assistir. A essa minha impressão, eu adiciono duas exceções: American Mary, das irmãs Soska, e M.F.A., da Natalia Leite.

No geral, para dizer a verdade, é um assunto que eu evito dentro dos filmes que assisto. Admito minha ignorância nesse ponto, dizendo que posso não ter visto muitos filmes que tratam de abusos desse tipo, por escolha mesmo. 

Agora, sobre o filme em si, e logo vocês vão entender como tudo se conecta. 

Quando fui convidada para a cabine de Criaturas do Senhor, de Saela Davis e Anna Rose Holmer, li a sinopse e vi que era um filme categorizado como drama. Aqui, de novo, admito não ser o tipo de filme que assisto com frequência. Mas eu fiquei interessada. Além de ter sido um convite, tinha o fato de a sinopse ter chamado minha atenção, sendo uma história de uma mãe que está tentando defender o filho de algo que ele fez. 


Agradeço o convite do pessoal da Califórnia Filmes e da Sinny Assessoria. Como já comentei aqui anteriormente, na minha breve resenha de Medusa, as cabines online são um presente pra gente que mora no interior, então muito obrigada.

A sinopse do filme, conforme apresentada pela distribuidora no email de convite era a seguinte:

Em uma vila de pescadores varrida pelo vento, uma mãe está dividida entre proteger seu filho amado e seu próprio senso de certo e errado. Uma mentira que ela conta para ele despedaça sua família e a unidade de sua comunidade.

Em Criaturas do Senhor, Aileen (Emily Watson) é uma mãe dedicada e amorosa e uma mulher trabalhadora. Vivendo em uma cidadezinha costeira, em que a maior renda de trabalho sai da pesca de ostras e peixes e da fábrica que faz a manutenção desses produtos, Aileen fica feliz quando Brian (Paul Mescal), seu filho, retorna para casa. Depois de uma longa temporada na Austrália, todos da família parecem meio chocados com seu retorno, dando a entender que Brian já teve alguns desentendimentos por ali.

Aileen arruma um trabalho para Brian que logo mostra que, realmente, não está muito afim de fazer as coisas da forma certa. Em constante disputa com seu pai, Brian parece aquele filho mimado pela mãe que não tem muito interesse em seguir regras.


O que já era uma relação familiar tensa acaba piorando quando Brian é acusado de ter cometido abuso sexual contra uma moça da cidade, Sarah (Aisling Franciosi), que trabalhava junto de Aileen. É a partir daqui que acompanhamos uma luta pessoal e íntima de Aileen sobre como lidar com a situação.

Aqui, o filme não foca tanto na situação da vítima, Sarah. Acompanhamos, sim, a forma como ela se sente, mas principalmente com os comentários que chegam a Aileen, e do que a personagem presencia. A abordagem do filme é, na realidade, em como a mãe do abusador vai se portar diante disso.

Não é uma abordagem que eu estou acostumada a ver, e foi isso que mais me chamou a atenção ao longo do filme. Vemos isso com frequência, familiares que defendem seus entes queridos mesmo quando eles estão errados, principalmente quando se tratam de abusos contra mulheres. Recentemente, mesmo, em um reality show de uma das maiores emissoras do país, quando integrantes foram expulsos por importunação sexual, não somente alguns familiares insistem que eles não fizeram nada, como alguns fãs também.

E é, realmente, um questionamento recorrente quando acontecem casos de abuso: "nossa, ele não tem mãe? não tem irmã?". É um comentário que reduz a mulher ao espaço de objeto e acessório do homem, como se ela só tivesse validade se, por acaso, tiver alguma serventia (sendo comparada a alguém da família dele, e não um outro ser humano; como se, por acaso, ele não tiver uma boa relação com a mãe ou a irmã deixará a situação menos monstruosa).


Mas, ao mesmo tempo. é uma abordagem que nos faz pensar: quantas mães não resolvem proteger seus filhos, antes de terem um momento de consciência e perceberem que o que eles fizeram foi errado? (Isso quando chegam a ter esse momento.) Em Criaturas do Senhor, essa situação é exacerbada na forma de um abuso sexual, mas não precisamos ir tão longe. 

Todos esses acontecimentos, aliados à trilha sonora e ao ambiente de cidadezinha costeira (vento, mar, chuva, sol fraco), fazem de Criaturas do Senhor um filme que faz a audiência (eu, no caso) ficas tensa e reflexiva. É estranho se colocar no lugar de Aileen, porque sabemos que ela não está tomando as melhores decisões, mas esses dois elementos (a trilha e a ambientação) ajudam a passar esse sentimento para quem está assistindo. 

Vocês sabem, eu não sou crítica de cinema. Mas gosto de expor o que sinto com o que vejo, principalmente quando essas obras me trazem questionamentos maiores. Criaturas do Senhor é um daqueles filmes que normalmente eu demoraria anos para assistir, se é que eu chegaria a assistir, mas é um filme que me fez pensar demais nas relações familiares e na forma como certas atitudes podem levar a outras, como: e se essa mãe tivesse resolvido não passar a mão na cabeça desse filho? e se ela tivesse sido mais firme? Não coloco aqui a culpa do mau-caratismo e do crime desse personagem nas costas da personagem de Aileen, sua mãe, se não eu estaria a reduzindo, também, a um objeto de acessório, mas é algo que nos faz pensar. E nos faz pensar em como reagimos quando pessoas próximas a nós fazem coisas que nos desagradam. Até que ponto conseguimos tomar as decisões certas?

Todos nós conhecemos algum caso de abuso, e de amigos e familiares que defenderam a "honra" de abusadores porque "nossa, são pessoas tão queridas". Esse filme tem cenas que me fizeram questionar esse tipo de amizade e lealdade, mais do que eu já questionava antes. Achei um filme interessante e triste, de certa forma. Mas gostei da abordagem. 

O filme Criaturas do Senhor estreia nos cinemas brasileiros dia 13 de abril, e foi produzido pela A24. No Brasil, a distribuição é da Califórnia Filmes.

Abaixo, o trailer:



Um último comentário: Aisling Franciosi, que interpreta Sarah no filme, também esteve no filme The Nightingale, de Jennifer Kent, a diretora de O Babadook. The Nightingale pode ser considerado um drama histórico com rape revenge, de certa forma, então aqui abro mais uma exceção para o subgênero que eu guardo tanto rancor (mas que tenho repensado a forma como é consumido por algumas mulheres desde que comecei a ler House of Psychotic Women, da Kier-La Janisse.)




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