Laurie Strode está de volta e não vai levar desaforo pra casa

Halloween estreou muito bem no último dia 25 e, até onde consegui acompanhar, as críticas foram muito positivas – você pode ler a minha AQUI, sem spoilers, no site do Delirium Nerd.
Mas, resolvi escrever um texto só sobre a personagem da Laurie Strode, retomando algumas análises de personagens femininas que fiz no início do blog (parte da reestruturação que o blog está passando).
O texto a seguir possui spoilers leves do novo Halloween.
Laurie Strode é uma personagem importante na história de Halloween. Apesar de muitos afirmarem que o espírito de Halloween é do Michael Myers, sou da opinião que a história da franquia gira em torno da Laurie Strode em constante antagonismo com o vilão, seja de forma direta ou seja de forma indireta. Mesmo nos filmes em que Laurie não está, Myers continua perseguindo aquela que foi a única que sobreviveu aos seus ataques e foi capaz de revidar, estando viva ou morta.
Interpretada por Jamie Lee Curtis, considerada a primeira Final Girl, a grande Rainha do Grito, Laurie Strode carrega uma série de estigmas que foram reproduzidos ao longo dos anos de terror, e quebrou uma série de outros conforme aparecia durante a franquia (que é uma bagunça, como eu já expliquei).
A personagem aparece pela primeira vez no filme de 1978, primeiro filme da franquia, quando conhecemos o assassino Michael Myers. Myers fica de olho em Strode e em suas amigas, e decide persegui-las, mas ao contrário do que pode parecer ao longo dos outros filmes, a escolha de Myers foi bastante aleatória: havia um grupo de jovens, Myers não gostada de jovens e suas atitudes vulgares, e isso pode ser visto desde o momento em que ele observava a irmã com seu namorado naquela noite de 1963 e a matou assim que ela saiu.
Myers persegue esse grupo de adolescentes bem quando estão em momentos íntimos, atacando um casal de cada vez. Mas por que Laurie está nessa lista, sendo que ela só estava trabalhando de babá? Laurie não era a garota que quebrava as regras, como suas amigas. Na cena do carro, enquanto está com Anny (Nancy Loomis), Laurie até tenta se enturmar fumando um baseado com a amiga, mas começa a tossir e fica receosa de que o pai da garota repare.
Quando perguntada se vai ao baile, vemos que Laurie tem receio de convidar alguém para ir com ela. Na noite de Halloween, acaba ficando de babá do garotinho que estava sob sua responsabilidade e da garotinha sob responsabilidade de Anny, para que a amiga pudesse se encontrar com o namorado. Laurie não é a garota "promíscua" como pode parecer que suas amigas são (mesmo que elas não estivessem fazendo nada de errado, apesar que dormir com seu namorado na casa de terceiros é algo meio arriscado), mas Laurie se torna alvo quando tenta parar o maníaco do Michael Myers.

Laurie Strode sobreviveu aos ataques do Myers porque era uma garota "pura", e isso era muito importante para construir a imagem do tipo de garota que poderia se salvar de um ataque de maníaco. Como metáfora e como construção de modelo funcionou por muito tempo, vindo a ser repensado nos anos posteriores, na década de 1990.
Mas no segundo filme, Halloween II (1981), encontramos um novo motivo do ódio de Myers contra Strode: Strode é sua irmã. Certo, e é aí que a caçada de Myers fica ainda mais forte. Em H4, H5 e H6 ele persegue a família de Strode, que já não está mais presente para revidar e atacá-lo. Em H20, Laurie persegue Myers e defende os seus, mas morre logo no início do H Resurrection.
O novo Halloween ignora todos as outras histórias, sendo uma sequência direta do primeiro filme de 1978. A parte que Strode é irmã de Myers é desmentida no próprio filme, por sua neta, Allyson (Andy Matichak). E o novo Halloween traz uma Laurie Strode melhorada, forte, até mesmo paranoica, mas completamente preparada pra qualquer momento que o psicopata do Myers aparecer na sua frente.
O novo Halloween nos traz algo inédito na franquia: ele lida diretamente com a dor causada por Myers na vida de Strode. Laurie fala sobre todo o sofrimento causado por ele, aos jornalistas que a procuram, e compreendemos que sua vida foi cercada por armas, a vida de sua filha foi cercada dentro das paredes de um porão, e sua neta tem pouco contato com ela pois sua mãe tem medo de que a filha tenha a mesma juventude que ela.

Podemos até supor que todo esse preparo de Laurie e de Karen (Judy Greer) pode ser exagerado, mas não é. Quando o desespero as atinge, e Myers foge, a única que pode realmente pará-lo é Laurie. Laurie não subestima seu inimigo, Laurie age por conta própria porque sabe que ninguém acredita no estrago que Myers pode causar.
Myers está ainda mais cruel que 40 anos atrás, mas Laurie está pronta.
Se tem algo que descobrimos é que o bicho papão de Michael Myers é a própria Laurie Strode, a partir do momento que Laurie assume o lugar de Michael ao cair da sacada de sua casa e desaparecer, em uma referência ao que acontece no primeiro filme, em uma inversão de papéis incrível. Além disso, Laurie tem uma armadilha no porão da própria casa, prendendo o assassino e ateando fogo nele.
Laurie é sua própria heroína, mostra que pode salvar e manter sua família segura, e além disso, mostra que toda a sua "paranoia", toda sua "histeria" é completamente justificada. Demonstra, para uma grande maioria, que essa "histeria", atribuída às vítimas dos filmes de terror, salvou sua vida e da sua família, sem a ajuda de ninguém (porque, se tem algo que podemos tirar desse Halloween, é que os personagens masculinos desse filme servem para exatamente nada - eu suponho, até, que quem dirige o caminhão no final do filme seja uma mulher).
Jamie Lee Curtis afirmou que esse filme faz parte da recuperação das narrativas femininas, numa homenagem clara ao movimento #MeToo. Laurie Strode foi uma mulher perseguida, teve sua vida arruinada, viu seus amigos mortos e teve que abrir mão de sua filha pois foi considerada inapta a cuidar dela, mas Laurie se preparou e revidou, demonstrou que o homem que a colocou em pedaços não faria isso de novo, nem que quisesse.
A atual Laurie Strode é bastante diferente da personagem de 40 anos atrás. Esperamos que isso sirva como exemplo para os próximos filmes de terror, assim como Halloween de 1978 serviu. Mesmo 40 anos depois, uma nostalgia cega ainda faz com que alguns produtores insistam nos modelos antigos.
Não queremos velhos modelos, queremos novas forças, forças remodeladas e apresentadas à nós como saída, como possibilidades.


2 comentários
Parabéns pela matéria! Assisti a todos os filmes e com certeza, assistirei o novo. Ansiosa para ver Laurie 40 anos depois.
ResponderExcluirAcho que o mais assustador o Michael Myers é saber que a máscara dele é a cara do William Shatner! 😂
ResponderExcluirComentários educados são sempre bem recebidos!
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