Mike Flanagan e sua produção cinematográfica
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Mike Flanagan e Kate Siegel |
Nunca prestei muita atenção aos diretores de filmes que eu assistia. Alguns poucos, que eram mais conhecidos, eu reconhecia e achava interessante, passava a acompanhar os filmes etc. Mas nunca foi uma preocupação.
Quando eu passei a assistir terror, entretanto, isso mudou. Acabamos procurando diretores e produtores que tenham mais a ver com o estilo que gostamos, e passamos a acompanhar seus trabalhos, pois sabemos como eles trabalham e quais elementos que eles carregam consigo em seus filmes.
Quando comecei a assistir terror de verdade, para pesquisa, quando comecei a trazer o tema para minha vida profissional e acadêmica e transformei o assunto em algo que me dava prazer (e tudo aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo), me deparei com um filme chamado Before I Wake (2016). A capa me chamou a atenção e resolvi assisti-lo.
Before I Wake narra a história de um casal que adota um garotinho, após a morte de seu filho, mas o garotinho tem alguns problemas estranhos: seus sonhos e seus pesadelos se manifesta em forma física. Conforme o filme avança, conhecemos mais sobre esse problema, conhecemos mais sobre o que atormenta o garotinho e como ele ficou órfão.
O filme é, sobretudo, uma história triste. Tem elementos de terror, é classificado como terror, mas é, sobretudo, um drama pesado sobre enfrentar seu passado e seguir em frente. Acima disso, ainda, é a história de uma mãe, uma mulher que quer seguir em frente e amar seu "novo filho", mas não consegue se desapegar da tragédia que aconteceu com ela, de ter perdido uma criança.
Depois, já quando havia começado o Todo Dia um Filme de Terror, comecei a identificar diretores e perseguir seus trabalhos. Foi quando assisti Hush (2016). Hush conta a história de uma escritora surda, que mora no meio do nada, completamente independente, mas que é atormentada por um assassino que resolveu persegui-la. É um filme de perseguição, de uma mulher presa em uma casa tendo que sobreviver, e em mãos menos hábeis poderia ter sido somente mais do mesmo. Mas não foi. Hush pode ser seus problemas, mas não sobre representação feminina e sobre a força de uma mulher. A personagem principal sabe lidar com o pior, e mesmo sendo forte, ela é humana, comete seus erros, tem seus deslizes, não é perfeita; ou seja, é uma personagem humana, mas que lida muito bem com a situação, apesar de todo o desespero.
Fui procurar a ficha da equipe, e descobri que foi dirigido por Mike Flanagan, e escrito por ele e sua esposa, Kate Siegel, que também é a atriz principal do filme. Achei incrível e queria conhecer mais sobre os dois, e Hush se tornou um dos meus filmes preferidos, estando sempre em listas que monto de recomendações.
Foi nesse filme que me dei conta do Mike Flanagan como diretor. Ao procurar seus outros trabalhos, descobri que ele tinha dirigido Before I Wake, e descobri outra série de filmes dele que eu tinha assistido e achado ótimos.
O primeiro filme do Flanagan que eu assisti foi Oculus (2013), com a Karen Gillian (de Doctor Who), muitos anos atrás, antes mesmo de sequer imaginar que, um dia, eu trabalharia com terror. O filme acompanha a história de uma mulher que tenta retirar a culpa de seu irmão, que está sendo acusado de um crime que, segundo ela, ele não cometeu, e sim uma entidade sobrenatural. Lembro quando assisti, como aquilo fugia do terror convencional, que eu não gostava. Como era mais delicado e sutil, e como era mais triste que o normal, ainda que aterrorizante.
Descobri também que eu tinha assistido uma adaptação dele, de Gerald's Game (2017), do King. Quando assisti aquele filme algo conversou bem no fundo comigo. Eu vi a superação de Jessie Burlingame como algo natural, como algo que ela lutou pra conquistar, e não como algo forçado, como uma boa parte de filmes com diretores homens tratam as superações femininas. Carla Gugino faz um trabalho de atuação fenomenal, e a adaptação de Flanagan da obra do King se mostrou uma obra competente.
Gerald's Game acompanha a história de Jessie Burlingame, que vai com seu marido até uma cabana passar um final de semana romântico. Porém, seu marido falece enquanto ela estava algemada na cama, e ela passa por uma série de transformações naquelas horas que passou deitada, se conhece, se descobre e, além de tudo isso, se lembra de momentos horríveis na sua infância.
Talvez uma das melhores adaptações de uma história do King, Gerald's Game é um filme incrível que toca fundo em você, mas que não é fácil de ser assistido.
O último filme de Flanagan que tive contato foi Absentia (2011), que conta a história de uma mulher e sua irmã que procuram desesperadamente por seu marido, que sumiu certo dia. Elas se deparam com uma série de desaparecimentos naquela parte da cidade.
Em uma narrativa com uma série de monstros que lovecraftianos, Flanagan mostra uma história de reconciliação de duas irmãs, trabalha com a questão de uma dessas mulheres estar grávida, tentando continuar sua vida após o sumiço do seu marido.
Talvez seja o filme mais destoante das outras obras do Flanagan, mas já começamos a perceber ali alguns elementos que seguiriam pelo resto de sua produção cinematográfica nos anos seguintes.
Sua última produção lançada foi a série The Haunting of Hill House, que se tornou um fenômeno com menos de duas semanas de lançamento. Outra adaptação do currículo do Flanagan, ele moldou a história antiga de forma que tudo fosse diferente, mas você consegue reconhecer a obra em sua essência ali. Escrevi uma crítica geral, sem spoilers, pro Delirium Nerd, que pode ser conferida aqui.
Mas, é importante ser dito, que os elementos que Flanagan mais trabalham aparecem de forma muito coerente e fazem da série algo incrível: uma adaptação que independe da obra, mas que carrega em si a essência do que Shirley Jackson escreveu, mas que, além disso, tem um protagonismo feminino interessante e uma quantidade de drama e personagens que descobrem muito de si mesmos nos piores momentos.
E esses são dois elementos que eu descobri estarem presentes na maior parte dos filmes dirigidos por Mike Flanagan: drama, como lidar com as suas dores e suas perdas, relações conturbadas e limitações; e o feminino. Mesmo com mais de um personagem principal, como no caso de The Haunting of Hill House, o protagonismo de destaque é o feminino. E, ao contrário do que possa acontecer com vários diretores que se arriscam a trabalhar com esses temas, Mike Flanagan quase sempre acerta e faz escolhas condizentes, respeitosas e interessantes.
Não estou dizendo, de forma nenhuma, que os filmes de Flanagan são os melhores representantes de mulheres no cinema, mas ele tem um olhar delicado para questões que podem passar batidas.
Algumas escolhas podem ser equivocadas, e tenho algumas críticas sobre algumas personagens em Haunting of Hill House que irei publicar quando escrever sobre a série com spoilers, mas Mike Flanagan possui um senso muito acertado, ele tem uma ideia bem clara do que quer para seus filmes.
Seu próximo trabalho é outra adaptação, também da obra de Stephen King, Doctor Sleep, que está previsto para estrear em 2020, um livro que é uma sequência de The Shining. Ainda não li a obra do King, mas estou curiosa em saber como o Flanagan vai adaptar, se ele vai continuar trabalhando da forma que trabalhou nesses últimos anos, e como será sua relação com a obra.
É um diretor pra se acompanhar e ficar de olho.
Imagens retiradas do site IMDb.

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