Joyland, de Stephen King
Já falei algumas vezes como gosto de pegar livros do Stephen King para ler quando estou descompensada com alguma coisa, ou com algum problema mais grave. Por essas e outras que eu não costumo fazer maratonas de leitura dos livros dele ou algo do tipo. Às vezes eu ouço o chamado e simplesmente vou.
E algumas dessas vezes eu nem sabia que precisava dessa leitura. Tem vezes que abro o livro, só achando que está tudo bem, e depois de algumas páginas eu penso "eu precisava mesmo desse abraço". Algumas pessoas acham esquisito ter livros de conforto de terror, mas acho que não. O terror pode te dar aquele abraço necessário — seja um abraço daqueles meio desengonçados, seja um abraço desconcertantes, seja um abraço dos mais fraternos. É um dos sentimentos que você passa a sentir quando o gênero se torna seu melhor amigo.
Então, eu peguei despretensiosamente Joyland da minha prateleira. Já tinham me dito várias vezes que eu ia adorar o livro, mas ainda não tinha sido chamada até ele, até o final de semana. E cara, que ótima decisão a que eu tomei.
O King tem algo que eu acho bem impressionante: você pode nunca ter passado por nenhuma situação semelhante a que ele está narrando, mas você sente como se conhecesse aquelas pessoas. É batata pra mim, funciona sempre. E com Joyland não foi diferente. Na verdade, foi bem verdadeiro.
Joyland é um dos livros já lançados mais recentemente na carreira do King, em 2012. Publicado aqui no Brasil pela Suma, com tradução da Regiane Winarski, o livro conta a história de Devin Jones, um rapaz que, quando completou 21 anos, teve uma série de aventuras trabalhando no parque de diversões de Joyland. Dev é nosso narrador em primeira pessoa, ele nos conta a história, então tecnicamente sabemos que ele está vivo, mas conforme a história vai se desenrolando nós acabamos descobrindo que foi por pura sorte.
"Quando se trata do passado, todo mundo escreve ficção."
Naquele ano, Dev estava apaixonado por sua namorada da faculdade, que logo o dispensaria. Trabalhar em Joyland foi uma forma de conseguir uma grana no verão e também uma forma de se manter ocupado. Mas, ao longo daquele verão, muita coisa mudou. Tudo começou com a história de uma garota fantasma que ocupada o brinquedo Horror House do parque. Depois, foi Dev salvou uma garotinha que se engasgava com um cachorro-quente. Um tempo depois, Dev salvou outro trabalhador do parque. E enquanto tudo isso acontecia, ele também conheceu Mike, um garotinho que sofria de distrofia muscular e não tinha muito tempo de vida, e sua mãe, Annie.
Todos esses elementos acabam se conectando através da figura de Dev, um protagonista carismático, que parece mesmo aquele tipo de gente boa com quem a gente pode contar. E é muito bacana a forma como o King construiu o personagem: ele tem uma amargura com a sua primeira namorada, Wendy, e isso fica explícito nas páginas do livro. Ele dá declarações horríveis sobre ela, principalmente nas primeiras páginas, mas é muito nítido que é uma dor de cotovelo braba pela qual ele está passando, e pouco tem a ver com sua opinião verdadeira sobre o mundo ou sobre as pessoas. Dev tem falhas, mas não são falhas de caráter que o fazem ser um cara indecente. Ele tem inveja, ele tem desejos, mas, acima de tudo, ele é um cara curioso e amigável. Acho que é um dos personagens mais "simples" do King. Apesar de se interessar muito pela história da garota que foi assassinada no parque, nunca é Dev quem a vê. Ele não tem grandes poderes ou passou por situações absurdas que o transformaram. A grande transformação da vida de Dev acontece naquele momento, no parque, e esse livro é como se ele nos contasse sua história, que aconteceu no final da década de 1970.
A ambientação "parque" também me deixou muito contente, porque vemos pouco do parque em si, mas muito das experiências que Dev passa como um cara trabalhando no local, e eu gosto muito dessa abordagem.
Uma coisa, entretanto, que King usa regularmente em algumas de suas obras, é algum personagem com alguma deficiência que, em contrapartida, acaba tendo algum super poder. Eu realmente não tenho pano de fundo para tratar do assunto, mas já vi algumas pessoas comentando sobre e faz sentido algumas críticas sobre essa questão. Me lembro que a primeira vez que vi essa discussão foi em alguns comentários sobre o filme O Apanhador de Sonhos, e desde então tenho prestado mais atenção nesse tipo de abordagem. Aqui, no TV Tropes, tem alguns outros exemplos do chamado "Inspirationally Disadvantage".
Não questiono a intenção do King, mas também não questiono quem levanta essas problemáticas. Achei necessário pontuar isso aqui pois é uma parte importante de Joyland. Neste texto, a autora Laura Elliott comenta como o castigo da deficiência é algo problemático em muitas obras de horror, e eu vejo também que dar poderes especiais para "balancear" "alguma falta" (entre muitas aspas) também gera um estereótipo que não é exatamente positivo. Mas, claro, eu realmente não tenho respostas para nada disso. São só questões que acho importante que tenhamos em mente.
E, claro, não sei se é necessário deixar claro para os meus leitores que me conhecem tão bem, mas questionar esses detalhes nada tem a ver com cancelar autores ou queimar todos os seus livros. São pontos que podemos questionar e compreender. O diálogo com a obra existe, afinal, para que possamos enxergar certos pontos e ver o que funcionou em uma obra e o que não funcionou, e poder crescer com isso.
Tirando esse ponto, entretanto, foi uma leitura muito satisfatória e divertida. Adorei todos os personagens, a narrativa é rápida, foi ótimo me desligar dos meus problemas por algumas horas pra acompanhar um garoto com dor de cotovelo enquanto mete o nariz onde não é chamado. Me divertiu muito mesmo.
Ainda não sei quando ou qual vai ser minha próxima leitura com o King, mas já estou ansiosa para ela.
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