Hell House, de Richard Matheson

by - março 23, 2022


Gosto muito de casas assombradas. Acho que dentro do horror é um dos meus temas favoritos (e provavelmente um dos que me dá mais medo também). O fato de nossa casa, um lugar que deveria nos dar conforto, abrigar espíritos malignos e poder ter sido palco de tragédias indizíveis é algo que mexe com a nossa mente. Ninguém está totalmente seguro, nem mesmo em seus lares.

Então, casas assombradas exercem um grande fascínio em mim. Quando a DarkSide lançou a coleção Dark House fiquei muito empolgada. Não tinha lido ainda nenhum dos três livros, e os três eram grandes clássicos do tema. Escolhi começar por Hell House e gostei muito mais do que achei que gostaria.

Sobre o livro (sem spoilers)


Em Hell House, de Richard Matheson (com tradução de Vinícius Loureiro), um grupo se reúne para descobrir se, afinal, existe vida após a morte. Eles precisam provar seus pontos passando uma semana na conhecida Mansão Belasco, a Casa do Inferno. Tudo isso começou porque um homem muito rico, já em seus possíveis últimos momentos de vida, queria descobrir afinal de contas o que aconteceria com ele quando morresse. O acordo era: dure uma semana na Casa do Inferno, afirme para mim se existe vida ou não após a morte, e você ganha cem mil dólares. Deutsch afirma que comprará a resposta seja ela qual for, desde que seja definitiva. 

Se você é fã do sobrenatural já deve ter ouvido, ou mesmo se feito, a pergunta: "você ficaria em uma casa assombrada por uma alta quantia em dinheiro?". Sou uma pessoa muito coerente comigo mesma e eu sempre tive muita certeza da minha resposta: não. Sou medrosa. Quando minha paz de espírito é abalada eu sinto no físico, muito além do emocional. Eu não duraria 24h em uma casa assombrada. 

Mas, claro, Hell House não se trata de pessoas comuns. Temos Dr. Lionel Barrett, um físico interessado na parapsicologia e que tem certeza que pode provar que situações sobrenaturais são resultado de energia acumulada; sua esposa e assistente, Edith, uma mulher alguns muitos anos mais nova que ele; Florence Tanner, uma médium mental e espiritualista; e Benjamin Franklin Fischer, um médium físico. As diferenças entre Tanner e Fischer são as formas como eles trabalham sua mediunidade. 

A Casa do Inferno já passou por outros experimentos antes. Em um deles, com 15 anos, Fischer esteve presente. Naquele momento, ele era considerado o maior médium dos Estados Unidos. No período em que se passa o livro, nos anos 1970, Fischer está com 45 e não tem muita certeza se pode lidar com o que acontece com aquela casa, mas retorna a ela mesmo assim.

A Mansão Belasco recebeu o nome de Casa do Inferno graças a todas as atrocidades que aconteceram ali enquanto seu dono, Emeric Belasco. Blasfêmias, orgias, consumo desenfreado de álcool e drogas, Emeric impulsionava os piores estágios de degradação humanas, enquanto observava tudo de camarote. Ele mesmo, enfim, quase não participava dos atos hediondos, mas buscava seus companheiros em todos os cantos do mundo, dispostos a viverem desregrados — o que, geralmente, acabava descambando para canibalismo e necrofilia, entre outros.

Logo de início, Barrett e Tanner têm seus embates. Barrett, cientista, quer provar que a parapsicologia pode ser um ramo de estudo sério, e as formas como Tanner conduz sua mediunidade, para ele, é uma bobagem. Já Tanner não desaprova completamente Barrett, e acredita que ambos podem trabalhar juntos.


A Casa do Inferno merece bem o apelido que recebeu. O lugar é odiável, e Matheson construiu um cenário assombroso. Sem janelas, próximo a um lago com uma água malcheirosa e que, afirma-se, diversos fetos foram submersos, e longe de qualquer cidadezinha e qualquer vizinho, a Mansão Belasco é um lugar horrível já em sua aparência. Em meio a desejos reprimidos, forças sobrenaturais, espíritos vingativos e situações aterradores, a Casa do Inferno desabrocha e se torna ela própria um personagem antagonista da história. 

Desde muito cedo os participantes do experimento conseguem sentir a influência do lugar, exceto por Dr. Barrett, que é cabeça dura e acredita fielmente que tudo pode ser explicado pela física. Ele acredita tanto nisso que se cega para qualquer outra possibilidade. E sua crença acaba colocando todos em perigo quando acaba fazendo com que todos os outros participantes acreditem que tudo não passa de uma manifestação de energia de Florence Tanner. 

Tanner, por sua vez, cada vez mais se sente acuada das acusações sobre seu dom. Antes uma estrela de cinema, Tanner aguentou muitos dedos apontados para si até decidir largar tudo e viver somente como espiritualista. Uma mulher com uma fé inabalável (pelo menos até chegar à Casa do Inferno), criou uma pequena igreja. Fazendo o possível para se controlar diante das provocações céticas de Barrett, Tanner perde o controle momentaneamente e, se aproveitando disso, o espírito que rege a mansão acaba colocando Tanner contra Barrett de forma definitiva. 

Tannet está cada vez mais convencida de que vários espíritos precisam de ajuda, enquanto Barrett acredita que não há espírito algum. Entre as duas forças contrárias, Edith e Fischer fazem o possível para se manterem firmes. Edith, a cada manifestação, tem mais certeza que seu marido está errado. Fischer, por outro lado, tem certeza que ambos estão errados.

Quero discutir algumas questões com spoilers. Então, caso você não tenha lido o livro e quer ser pego completamente desprevenido do que vem por aí, sugiro pular essa seção e ir direto para o final.

Com spoilers


Por fim, Fischer tem razão. Emeric Belasco nunca abandonou o lugar, e ele próprio é o espírito que rege as forças que tomam conta de sua mansão. Mas, até que Fischer perceba isso, duas vidas foram perdidas para a casa: Tanner e Barrett.

Embora as maiores disputas fiquem entre o físico e a médium, Edith e Fischer tem, eles próprios seu papel. Fischer conhece a casa, sabe muito bem o que viu quando esteve lá há 30 anos, se lembra quantas pessoas morreram. Já Edith, apesar de começar a história acreditando fortemente em seu marido, acaba ela própria sendo vítima várias vezes da casa. 

Uma das maiores questões usadas pela casa contra Edith, e até contra Tanner, é sua repressão sexual. Edith, casada com um homem muito mais velho que, graças a pólio que contraiu quando criança, não tem um desejo sexual muito ardente, e que, graças a um pai alcoólatra que tentou abusar dela quando mais nova, acabou refreando qualquer desejo que pudesse sentir pelo outro sexo — ou até mesmo pelo mesmo sexo. Mas Edith possui desejos que escondeu do mundo e de si mesma. Tanner, também, acaba sendo atacada em sua sexualidade quando confrontada pela casa, através de uma figura fictícia que Belasco utiliza para atraí-la.

Sabemos como os anos 1950 e boa parte dos anos 1960 foram dominados pela repressão sexual feminina. Ainda hoje isso é um problema que gera outros vários problemas. Mas, na década de 1970, quando o livro foi escrito e é ambientado, isso era uma questão bastante em voga em vários segmentos. A sexualidade feminina é assunto em filmes e livros, inclusive os de terror. Quando muito reprimida, é um problema; quando muito excedente, também é um problema. Quem delimita essas questões, é claro, é uma sociedade complexa que não tem muita noção da realidade. Mas o tema está lá, e deve ser pensado. Por que somente as duas personagens mulheres tem essa repressão utilizadas contra elas? Em determinado momento, quando Edith está possuída pela casa, ela chega a afrontar Fischer e a sexualidade dele, mas é algo bastante momentâneo. Isso nos mostra que não é uma questão masculina porque homens tem mais liberdade sexual ou por mulheres serem mais fracas a esses impulsos? Acho que as duas leituras são possíveis.


No final das contas, acho que meu personagem favorito foi o Fischer. Gosto como ele enxerga a situação da casa e não deixa ser enganado. Barrett conseguiu me irritar com pouco menos de 30 páginas. Florence foi uma vítima da situação, e ela própria era um pouco cabeça dura. Edith, não sei, acho uma personagem interessante, que se torna ainda mais interessante após a morte de Barrett, mais forte e mais segura.

As impressões finais


Eu gostei muito de Hell House, muito mais do que achei que gostaria. Tive pouco contato com o trabalho de Matheson, estou devendo uma leitura de Eu Sou a Lenda faz anos, mas gostei muito desse aqui, e acabei ficando ainda mais curiosa pelos outros. Então, esse primeiro semestre ainda deve rolar essa leitura, aguardem. Também tenho alguns outros livros de casas assombradas para ler e reler, porque estou planejando um texto bem bacana mais adiante. 

A leitura foi bastante fluida para mim, não tive dificuldade alguma em avançar, li todos os dias umas quase 50 páginas, achei a história absolutamente instigante. Me diverti de verdade, fiquei com medo em alguns momentos, torci por personagens e gostei muito do final. O livro tem alguns momentos bastante tensos sim, e algumas situações pesadas, então é sempre bom lembrar que se você resolver ler, é bom que seja em um momento mais tranquilo.


O livro ganhou uma adaptação em 1973. Dirigido por John Hough, Matheson também assinou o roteiro. No elenco, Roddy McDowall interpreta Fischer, com Pamela Franklin como Florence, Clive Revill como Dr. Barrett e Gayle Hunnicutt como sua esposa, que na adaptação se chama Ann. O filme, mesmo com roteiro de Matheson, perde algumas coisas interessantes em relação ao livro. Acabei gostando mais da obra original, mas ambos são ótimas histórias de casas assombradas.

A DarkSide está com a pré-venda de O Demônio de Gólgota, de Frank de Felitta, outro grande clássico de locais assombrados e a disputa entre crença x ciência. Se você gostou desse livro, com certeza vai gostar de Gólgota, e vice e versa. 

* O livro foi recebido como cortesia da Editora DarkSide Books

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1 comentários

  1. Tô doida pra ler esse livro. Falou em história de casa mal-assombrada, já tô no pronta! Não sabia que tinha essa adaptação de 73, lembro de ver o de 99, A casa da colina, e morrer de medo. =P Aliás, é uma confusão de Casa da Colina que não é a do livro da Shirley Jackson, que também teve a adaptação em 99, mas com outro nome.

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