My Heart is a Chainsaw, de Stephen Graham Jones

by - janeiro 19, 2022


Stephen Graham Jones estava no meu radar há alguns meses. Sempre em listas de melhores do ano e melhores leituras de várias pessoas que passaram pela minha timeline, eu estava muito curiosa para ler o que ele tinha escrito. Um de seus últimos livros, The Only Good Indians, se tornou um fenômeno entre os fãs de terror e ganhou os prêmios Ray Bradbury Prize for Science Fiction, Fantasy & Speculative Fiction, Bram Stoker Award e Shirley Jackson Award em 2020, e Alex Award em 2021; além de ter sido indicado aos prêmios Goodreads Choice e Audie Award em 2020 e Locus Award e World Fantasy Award em 2021. 

Eu havia pego um livro de contos dele para ler, The Ones That Got Away, e os contos que li no momento me deixaram realmente apavorada. Devo ter lido uns três, e dois deles me deram dificuldades para dormir e/ou pesadelos. Não é que eu seja fraca, é que o Stephen Graham Jones sabe muito bem o que está fazendo. 

Mas então surgiu em minha vida o livro My Heart is a Chainsaw. Assim que li o título, eu fiquei completamente apaixonada; mas quando li a descrição, percebi que é como se o livro tivesse sido endereçado a mim. Na amazon, a descrição do livro era: "A gripping, bloody tribute to classic slasher cinema, final girls and our buried ghosts, combining Friday the 13th, the uncanny mastery of Shirley Jackson, and the razor wit of the Evil Dead". Eu não precisava de mais nada, estava completamente vendida e ansiando pra tê-lo em minhas mãos. Aí vi a dedicatória, que dizia "To Debra Hill: thank you, from all of us", e uma frase da Carol J. Clover, autora de Men, Women and Chain Saws. Eu nunca me senti tão fortemente atraída para um livro. 

Me dei de presente de aniversário ano passado, em novembro (na edição da Titan Books, editora britânica, que é relativamente mais barata que a edição norte americana), e me afundei naquela história até que a terminasse. 

O livro conta a história de Jade Daniels, uma garota com descendência indígena, que não é muito querida ou amada em sua cidade, Proofrock. Tida meio como que uma pária social, Jade não tem muitos amigos, seu pai é abusivo, sua mãe é absolutamente ausente, mas ela encontra refúgios nos filmes slashers, que assiste desde os 11 anos de idade. 

Com sua vasta experiência no assunto, Jade percebe que há algo acontecendo em Proofrock, principalmente quando Letha Mondragon chega. Jade tem certeza que Letha é uma final girl, e isso a coloca bem no centro dos acontecimentos sanguinolentos que, ela tem certeza, serão desencadeados nos próximos dias. 

Proofrock, em si, tem uma história bastante violenta. Cheia de lendas, mitos e morte, a cidadezinha fez o possível para seguir em frente, inaugurando um novo condomínio de luxo — o novo lar de Letha e mais vários figurões cheios da grana. Sem dúvida o cenário perfeito para que um novo vilão mascarado vindo diretamente de um terror dos anos 1980 realizar seus ataques.


Mas nem tudo é o que parece ser. Conforme Jade vai descobrindo pistas, observando cada vez mais Letha e tendo certeza de que ela será a final girl dessa história, mais vamos sabendo sobre o passado da cidade e da própria Jade, até enfim chegarmos ao grande ápice do livro, em que todas as peças se juntam, e várias certezas caem por terra.

O livro é uma carta de amor aos filmes de terror, principalmente aos slashers. Stephen Graham Jones é, sem dúvida, um homem apaixonado pelo assunto, e isso fica muito visível conforme ele coloca cada uma das referências em Jade. A quantidade de referências, inclusive, pode assustar um pouco, mas quando entramos de cabeça na personagem percebemos que não poderia ser diferente: ela é aquilo mesmo, uma jovem despedaçada que encontrou nos filmes de terror uma saída, uma amizade, um ombro carinhoso quando tudo ficava pior. 

Em momento algum Graham Jones toma a saída mais fácil. Ele sempre opta por algo que subverta antigos tropos narrativos e mantém Jade como uma espécie de bússola para isso. E Jade é uma personagem interessantíssima. Ela erra muito, tem diversos momentos em que você se implora "meu deus, alguém pare essa garota", e por baixo da casca grossa e dos mil filmes de terror ela é uma adolescente com um passado complicado, solitária, que quer sua chance de fazer algo de forma correta — e essa chance só poderia surgir através de um ataque tipicamente slasher em sua cidade natal. É através da sua sabedoria com os filmes que ela quer mostrar que tem algo de valor, que ela vale a pena, que ela é útil.

"Final girls are good, they're uncomplicated, they have these reserves of courage coiled up inside them, not layer after layer of shame, guilt, or whatever this festering poison is. Real final girls only want the horror to be over. They don't stay up late praying to Craven and Carpenter to send one of their savage angels down, just for a weekend maybe. Just for one night. Just for one dance, please? One last dance? That's all Jade needs in the world, she knows."

Jade fica tão ansiosa para que haja, realmente, um massacre saído dos filmes de terror em Proofrock, que se esquece das consequências que aquilo poderia ter nas vidas reais das pessoas a sua volta. e em diversos momentos pensamos "mas Jade realmente está vendo as coisas pelos ângulos corretos? Isso não poderia ser apenas um desejo pouco saudável de uma adolescente solitária?". 

Toda essa distorção na mente de Jade nos faz questionar diversas atitudes da garota. Ela não é, de forma alguma, uma daquelas protagonistas boazinhas. Ela não é uma típica final girl. Ela tem problemas reais, sérios, se mete em confusão, vai presa, já foi internada em um hospital psiquiátrico, ninguém a escuta, e pouca gente liga para seu bem-estar — às vezes, nem ela mesma liga para isso. Uma jovem com 17 anos que, nesse ponto da vida, já passou por coisa demais, já viveu coisa demais, e a única coisa que queria era demonstrar que vale a pena, de alguma forma, nem que seja só para si mesma. Demonstrar que todo seu conhecimento acumulado de filmes slashers podem ser de alguma valia.

Por diversas vezes me perguntei qual o caminho que o autor seguiria e, afinal de contas, ele realizou os desejos de Jade. Nesse ponto, Jade me lembrou muito uma das minhas personagens favoritas da ficção, Merricat Blackwood, de Sempre Vivemos no Castelo, da Shirley Jackson: ambas as personagens tem algo de inocente e que não prestam atenção no mundo real, preferindo uma ilusão, até que seja tarde demais. 

"Slashers movies are supposed to be these grand fairy tales where the princess is a bad-ass warrior (...)"

Stephen Graham Jones realmente conseguiu unir tudo aquilo que a descrição da amazon dizia, e ainda mais. Suas escolhas narrativas fizeram tanto sentido que eu já não consigo imaginar como esse livro seria, se ele fosse de outro jeito. Todas as suas escolhas parecem corretas, ainda mais depois de ler seus agradecimentos, que são uma parte que sempre gosto muito de ler nos livros. São nos agradecimentos, prefácios e posfácios que temos um contato maior com o autor, um contato mais íntimo, onde a gente descobre as intenções e influências diretas. Nos agradecimentos de Graham Jones, ele fala sobre a influência do terror em sua vida, de Stephen King, e de uma matéria que leu no jornal, e o inspirou em um dos detalhes importantes da trama. São palavras muito emocionantes, e que encerram com perfeição My Heart is a Chainsaw.

Pouco depois que comprei que comprei o livro descobri que ele teria uma continuação. A data oficial de lançamento é agosto de 2022, mas ele já está em pré-venda. E sim, o título é tão perfeito quanto o primeiro: Don't Fear the Reaper. Sem dúvida alguma comprarei assim que possível.

Nenhum livro de Stephen Graham Jones foi traduzido ainda para o português. E, não fosse só isso para tornar o acesso mais complicado, ainda tem o fato de que, com o preço das coisas, eu bem sei como é difícil comprar livros em inglês (ou livros no geral). Em relação a My Heart is a Chainsaw e The Only Good Indians, as edições da Titan Books são um pouco mais baratas que as da Gallery/Saga Press (apesar de serem, também, um pouco inferiores em qualidade, mas nada que comprometa a leitura). Então, o que recomendo para quem lê em inglês e gostaria muito de ler as obras do Stephen, é dar uma olhada nos ebooks. A maioria de seus ebooks não passa dos 20 reais (com exceção dessas duas obras que comentei, que são suas mais famosas). Alguns de seus livros mais antigos até estão no kindle unlimited, como The Last Final GirlZombie Sharks with Metal Teeth.


Compre os livros

  • My Heart is a Chainsaw: Amazon (Titan Books)
  • The Ones That Got Away: Amazon (ebook)
  • The Only Good Indians: Amazon (Titan Books)
Lembrando que, comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)

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