A Vida Real, de Adeline Dieudonné

by - julho 14, 2022


Há um sentimento muito próprio, muito único, muito assustador, até, que é o sentimento de desgraça iminente. Aquele meme do "momentos antes da desgraça acontecer", mas que é mais antigo. É meio como um instinto, uma ansiedade. O público acostumado com histórias de terror conhece muito bem. É aquele momento que a gente prende a respiração, que sabe que o monstro está atrás da porta, quando a porta começa a se entreabrir. Pode ser que não tenha nada lá, pode ser que tenha. É esse momento de suspensão, esse momento de antecipação, que a gente chama de "desgraça iminente". Algo muito ruim vai acontecer, a gente tem certeza. 

A Vida Real, da autora belga Adeline Dieudonné, é um livro de desgraça iminente.

Lançado aqui no Brasil pela Editora Nós, com tradução de Letícia Mei, eu tinha ouvido falar do livro pela Michelle, minha grande amiga que tem um gosto particular por narrativas desgraçadas e que me mostrou muito livro bom. Assim que postei sobre ele nos stories do Instagram, recebi algumas mensagens de outras conhecidas que também têm esse gosto muito particular por histórias deprimentes, violentas, aterrorizantes e que tiram nosso chão completamente, como a Maíra Ferreira, editora da Revista Noturna, que infelizmente ainda não tive tempo para ler, e achei que tivesse recebido mensagem da Verena Cavalcante também, mas não encontrei (Verena, se você não leu esse, recomendo, acho que você vai gostar).

No geral, quem leu esse livro disse "me destruiu, mas é ótimo". 


Acho que realmente esse é o sentimento principal dele. Na história, nossa narradora é uma garota que começa o livro com cerca de 10 anos, e ao final do livro já está próxima dos 16. É uma garota esperta, que tem uma percepção muito própria do mundo, conforme a história vai evoluindo, com uma personalidade forte e vontades muito únicas. Depois de um dos primeiros pontos de virada da história de nossa narradora, ela desenvolve um fascínio especial por ciências — seu desejo inicial é construir uma máquina do tempo, para consertar um momento em sua vida que, para ela, alterou completamente tudo a sua volta. 

Nossa narradora é filha de um homem violento, tenebroso, daquele tipo que queremos distância, que pensa mais em seus momentos de caça do que em sua família. Sua mãe, uma mulher completamente submissa, é chamada de ameba por nossa narradora. E a garota tem um irmão, quatro anos mais novo que ela, fruto de seu carinho constante e a quem ela quer defender com todas as forças. Outros personagens rondam a história, mas podemos dizer que esse é o núcleo principal.

Narrado em primeira pessoa, temos os vislumbres diretos de nossa narradora sobre os acontecimentos de sua vida. A história é ágil e fluida, e também bastante cru, com capítulos curtos, mas acontecimentos marcantes e um crescimento constante da sensação de que algo terrível está para acontecer, de que os rumos dessa história encontrarão um grande precipício logo adiante. Antes fosse só um. 

Como eu mencionei, esse livro carrega desde a primeira página o sentimento de desgraça iminente. Sabemos que até o momento final, qualquer coisa terrível pode acontecer, e vai acontecer, em algum momento. Esse sentimento é construído por uma série de fatores: a narrativa ágil, em primeira pessoa, que dá o tom desesperançoso do que vamos encontrar adiante; os acontecimentos que nossa narradora nos conta, conforme cresce; detalhes que vamos pegando nas atitudes de um ou outro personagem. Mas, acima de tudo, porque algumas dessas atitudes são enormes bandeiras vermelhas de que algo está absolutamente errado com aquelas pessoas. Às vezes, até porque conhecemos pessoas semelhantes com essas retratadas no livro.

O título A Vida Real é muito interessante. Porque no fundo, para mim, em algum lugar, nós conhecemos algumas pessoas que são iguaizinhas àquelas retratadas no livro. Apesar do tom insólito que a narrativa ganha em alguns momentos, aquilo ali é extremamente vivo e possível. Poderia ser um relato autobiográfico. Isso deixa o livro um pouco mais triste. 

Foi uma grande experiência essa leitura. Foi um livro que me pegou rápido, que me fez ler com vontade cada uma das páginas, porque eu queria chegar ao final, eu queria saber o que iria acontecer, eu queria conhecer a fundo essa história, por mais desconfortável que eu saberia que poderia ser. 

Me uno ao coro do "me destruiu, mas é ótimo".

O livro está a venda na Amazon, em formato ebook ou físico*, mas também pode ser comprado diretamente na Editora Nós.



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*Comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)

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2 comentários

  1. Amiga, esse livro.
    Eu ia lendo e pensando "Não é possível"
    E foi indo, ladeira abaixo
    Amei, 10/10

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