Rinha de Galos, de María Fernanda Ampuero
Tem livros que são como um chute na cara, que reviram nossas entranhas e nos fazem olhar para lugares extremamente desagradáveis. Nos últimos anos, os livros que mais tive essas reações foram os das autoras latino-americanas.
Já contei algumas vezes como se deu essa minha aproximação dessa literatura. Eu estava quieta, tranquila na minha, quando fui apresentada aos livros de Mariana Enriquez e Samanta Schweblin. Isso era 2018, eu estava começando a sair da minha zona de conforto da literatura. Desde então, foi só ladeira abaixo. Uma ladeira íngreme e tortuosa e assombrosa e que muitas vezes me deu calafrios. Mas que, até agora, não tenho nenhuma reclamação.
Quando a Michelle me desejou boa sorte, antes que eu começasse Rinha de Galos (lançado aqui no Brasil pela Editora Moinhos, com tradução de Silvia Massimini Felix, a mesma tradutora de Mandíbula, de Mónica Ojeda) da equatoriana María Fernanda Ampuero, eu achei engraçado. Porque eu sabia que vinha um livro forte por aí, mas pensei "bom, Michelle e eu já lemos muitas coisas iguais, será que é mesmo tão potente?". Naquela noite eu li uns quatro ou cinco contos, um atrás do outro, e cada um deles me atingia com uma violência diferente.
Os contos de María Fernanda Ampuero são crus, terríveis, têm momentos nauseantes, mas são extremamente humanos. Por pior que algumas atitudes e escolhas pareçam, por mais absurdas e estranhas que algumas passagens sejam, é muito visível que há algo de intrinsecamente humano em cada um deles. Ampuero não usa de sobrenatural ou qualquer artifício mágico para causar terror ou trazer absurdo para suas histórias. Não que você diga "poxa, talvez eu conheça alguém assim", não é que dê para conhecer as pessoas que habitam esses contos, não é exatamente isso — mas, de certa forma, dá. De certa forma, é.
"Voltar, como todo mundo sabe, é impossível. Depois dos abraços e lágrimas, vem o verdadeiro reencontro, estar cara a cara com as mesmas pessoas quando nós já somos outros, estar diante delas quando não sabemos quem são. Ou seja, ninguém diante de ninguém."
É como se uma porta se abrisse e você visse no fundo dos olhos de alguém alguma passagem muito estranha da vida dela. E eu digo isso um pouco assustada, porque houveram momentos da leitura, que fiz toda no horário antes de dormir, sozinha, protegida embaixo do meu lençol, em que eu tive que consertar meu rosto, que estava retorcido em uma careta de nojo e angústia.
Não foi uma leitura fácil, no sentido de tranquilidade mental. A fluidez do texto, e o tamanho dos contos, claro, são fáceis. A tradução de Silvia é excelente, e a escrita de Ampuero é, em si, muito objetiva, mas os temas são densos, exige de você um sangue frio para assistir tudo o que está escrito ali sem ter um ou dois (ou mais) colapsos nervosos. Assassinatos, cenas extremamente explícitas, incesto, abuso, violência física, e mais uma meia dúzia de situações que fazem a gente se contorcer enquanto lê. Mas também, nas entrelinhas, pensamentos sobre classe, raça, sobre traumas, sobre terrores escondidos bem lá no fundo da nossa alma.
No entanto, foi uma leitura excelente, me atingiu em cheio, me deixou um bocado desconcertada e desnorteada. Daquelas que a gente demora muito a esquecer. Os contos não seguem um fio condutor, apesar de alguns tratarem de temas semelhantes, e um ou dois até estarem interligados por alguma cena ou momento em comum. Meus favoritos foram "Monstros", "Griselda", "Nam", "Cristo", "Paixão", "Luto" e "Ali", mas todos tem um ou outro detalhe que te fisga.
Se você é escritor de horror ou gosta de aprender curiosidades sobre processos criativos, a María Fernanda Ampuero tem com um curso pelo site Doméstika, Introdução à escrita de histórias de terror. Pretendo fazer em algum momento, mesmo que eu não seja escritora de ficção, porque sou curiosa e gosto de ver autores falando sobre seus processos.
Já o livro Rinha de Galos pode ser comprado pela Amazon ou através do site da Editora Moinhos.
*Comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)
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