Ponti, de Sharlene Teo
Este ano estou participando de dois Desafios Literários: o do blog Momentum Saga (que já até saiu postagem sobre o primeiro livro lido) e o do Leia Mulheres. Sempre tento participar desses mesmos dois desafios todos os anos, e sempre acabo parando logo em janeiro. Mas dessa vez eu quero seguir em frente.
Não selecionei nenhuma pré-lista do que eu pretendo ler, deixei minhas vontades me guiarem. Mas pretendo fazer o desafio dentro dos gêneros que já estou acostumada (com exceção quando o desafio for, por exemplo, para sair da zona de conforto) para trazer também as resenhas para o blog. Todos os textos terão avisos de qual desafio eles pertencem e terão uma tag também.
Enquanto procurava um livro para cumprir o desafio do mês do Leia Mulheres, me deparei com Ponti, da Sharlene Teo, e resolvi que seria esse então meu companheiro para o finalzinho de janeiro. E que surpresa incrível!
- Obs: Leitura escolhida para o mês de janeiro do Desafio Literário Leia Mulheres no item: livro de estreia . Confira o desafio aqui.
Ponti, de Sharlene Teo, foi publicado no Brasil pela editora Intrínseca, com tradução de Alessandra Esteche. É o primeiro livro da autora, nascida em Cingapura, e logo a sinopse me chamou a atenção.
No livro, que se passa em três momentos distintos, conhecemos a história de três mulheres de Cingapura: Amisa, uma ex-atriz, com sua história contada em terceira pessoa a partir de 1968; Szu, filha de Amisa, uma garota solitária que narra sua história em primeira pessoa em 2003; e Circe, única amiga de Szu na época do colégio, que também com a história narrada em primeira pessoa, no ano de 2020.
Começamos o livro conhecendo Szu, uma adolescente complexa que começa a contar sua história no dia de seu aniversário de 16 anos. Szu vive em um casarão antigo com sua mãe, Amisa, e sua tia, Yunxi. Szu tem dificuldades em fazer amizades, não é uma boa aluna, e vive sob a sombra do passado glorioso que, ela acredita, sua mãe teve. A relação entre as duas não é boa, e Szu se sente, de certa forma, culpada pela tristeza e decadência de sua mãe, sempre vista por ela como uma mulher belíssimas mas assustadora.
No passado, Amisa foi uma atriz de uma trilogia de filmes de terror chamados Ponti!, sobre um espírito vingativo asiático, o pontianak. Szu fala de sua mãe e seus filmes com adoração.
"No melhor (e único) papel de sua carreira, minha mãe, usando próteses baratas, interpreta uma garota chamada Ponti que ficou corcunda em razão de uma deformidade congênita e que faz um pacto com um bomoh — um xamã — para ficar bonita."
Szu cresceu admirando e temendo essa figura distante que é sua mãe. Sempre acreditou que a mãe era mais importante do que realmente era (e a mulher se sentia dessa mesma forma). Somente encontra um pouco de amizade em Circe.
Conhecemos Circe em sua infância pela visão de Szu, e conhecemos Circe adulta através de sua própria visão. De acordo com Szu, Circe era uma garota legal, mas muito prepotente — como alguns adolescentes costumam ser. Rica, jamais tinha passado qualquer dificuldade das quais Szu passou. Não fica muito claro o que uniu as duas jovens, além do gosto em comum por bandas adolescentes e o fato de ambas seres diferentes das outras garotas da turma. Szu desenvolve com Circe uma relação semelhante a que tem com sua mãe: ela admira a garota, e é bastante passiva quanto a amizade. Em seus capítulos, vemos que Circe achava Szu uma garota estranha demais que vivia a imitando e sentindo inveja — algo diferente do que vemos nos capítulos de Szu. Seria a distância de tempo que fez a jovem pensar assim? Ou será que ambas viam as relações de formas diferentes?
Circe, quando adulta (o momento em que narra seu capítulo), está trabalhando em uma empresa de marketing e recebe uma difícil tarefa: estão fazendo um remake do filme Ponti!, que foi estrelado pela mãe de sua amiga na versão original. Sem saberem disso quando a encarregam de trabalhar no projeto, é desse ponto de partida que Circe começa a se lembrar de suas relações com Szu, e se lembra também quando conheceu Amisa.
Por sua vez, conhecemos Amisa desde a infância até o momento em que seu marido a abandona, deixando-a sozinha com a filha. Ao longo de seus capítulos, narrados em terceira pessoa, vamos conhecendo pouco a pouco sobre essa mulher que temos três perspectivas tão diferentes: a de si própria, a da filha e a de Circe. O que a levou a ser atriz, o que a levou a ser tão fria, se é que ela era mesmo uma mulher fria.
"Nunca conheci ninguém como Amisa Tan. Ela tinha um estilo próprio de indiferença ofensiva e ao mesmo tempo atraente que eu queria desenvolver um dia" — Circe
É nesse jogo de tentar conhecer as personagens que estamos lidando — duas delas narradoras questionáveis, visto que as duas narram seus capítulos e suas histórias —, com muitas referências a filmes e livros de terror, bandas dos anos 1990 e 2000, detalhes sobre a vida em Cingapura nesses 52 em que essas histórias são contadas e conexões inteligentes e extravagantes, que Sharlene Teo conta uma história sobre pessoas que passam pela vida uma das outras e deixam marcas profundas e dolorosas.
Essas três mulheres entraram na vida uma das outras meio sem querer, meio que obrigadas, e quando partiram levaram consigo pedaços umas das outras, impressões, dores, receios, que as acompanharão por muitos anos. Pode até que esses desgastes estejam escondidos, mas basta um telefonema, uma tarefa, uma menção, que elas vão se lembrar.
A amizade de Szu e Circe é igual a várias amizades que temos durante a vida. Acreditamos que são laços fortes, mas não é necessário um esforço muito grande para que acabem. No fim, cada uma segue sua vida, tendo, às vezes, mais perdido do que ganhado.
Não esperava gostar tanto do livro quanto gostei, me ligar a ele como me liguei. Um dos detalhes que mais me fez sorrir é quando Circe está no quarto de Szu e pega um livro de sua escrivaninha. O livro era Sempre Vivemos no Castelo. Para mim, foi uma pista direta da autora para dizer aos leitores que nem sempre tudo que é dito para nós é verdade, ainda mais quando se trata da história de quem está nos contando. As percepções que temos sobre as pessoas podem mudar de uma hora para outra, e há mais detalhes sobre alguém do que aqueles que vemos e que nos são ditos.
Aparentemente Sharlene Teo ainda não lançou um novo livro, mas adoraria que ela fizesse uma jornada mais profunda para o próprio gênero do horror. Acho que ela tem habilidade e uma boa base para isso.
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Lembrando que, comprando com meus links da Amazon, você dá aquela forcinha sem pagar nada a mais por isso :)
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