[Crônicas Vampirescas] O Vampiro Lestat, de Anne Rice
Alguns livros aparecem em nossas vidas nos momentos errados. Como comentei no meu texto anterior de Crônicas Vampirescas, em Entrevista com o Vampiro, eu li o livro em um momento que me fez desgostar muito de tudo o que acontecia ali, o que me fez pegar uma certa birra da Anne Rice. Achava tudo muito fascinante, mas não queria gastar meu tempo lendo. A segunda vez que li Entrevista com o Vampiro foi ainda pior. Mas dizem que é a terceira que vale, e foi na terceira vez que li que eu finalmente entendi o sentimento de furor e paixão que o pessoal tanto dizia. Mas, uma observação: continuo achando o filme brega, mas de uma forma boa, que combina perfeitamente com o livro.
Porém, acho que foi só agora, com O Vampiro Lestat, que eu finalmente senti o apelo da Anne Rice, de seus livros, de suas histórias de vampiros e, principalmente, senti uma grande admiração pela autora — por motivos que explicarei logo adiante. O texto a seguir contém spoilers de Entrevista com o Vampiro e O Vampiro Lestat.
Sobre o livro
Em O Vampiro Lestat, nós descobrimos mais sobre o passado do antagonista de Entrevista com o Vampiro. Se em Entrevista Louis narra os acontecimentos de sua vida, do momento em que encontrou Lestat até a última vez que o viu (até então), em O Vampiro Lestat é o próprio vampiro que narra os acontecimentos. Lestat esteve dormindo por alguns anos até ser despertado por uma banda de rock e seus pensamentos. Logo descobre que seu antigo amigo, Louis, cedeu uma entrevista a um humano e este escreveu um livro de sucesso. Ao ler o livro, Lestat resolve colocar tudo em pratos limpos e decide contar sua versão da história.
Francês, sétimo filho do Marquês de Lioncourt, Lestat odeia viver onde vive e sonha em ser um ator em Paris. A única figura humana em quem Lestat encontra um pouco de amor é em sua mãe, Gabrielle, que é descrita como uma personagem distante e fria. Ao conhecer o filho de um burguês do vilarejo, Nicolas, Lestat consegue fugir com o rapaz para realizar seu sonho, ajudado por Gabrielle. Fazendo grande sucesso como ator, Lestat já havia chamado a atenção de Magnus, vampiro ancião que o vinha observando desde o dia em que o filho do marquês lutou ferozmente contra uma matilha de lobos. Magnus transforma Lestat, que se transforma em um vampiro pouco convencional: ele quer estar entre os humanos, quer o conhecimento, que descobrir sobre o bem e o mal, quer caminhar por Paris e se alimentar só de malfeitores.
Mas Lestat é, também, cheio de dúvidas e questões sobre sua própria vida (ou não-vida), e sente um amor genuíno por sua mãe, doente, que acaba transformando para viver com ele. Vivendo como vive, logo chama atenção indesejada de uma congregação de vampiros que se dizem adoradores do demônio. Neste momento conhecemos Armand, líder da congregação e personagem que já havíamos visto em Entrevista. Armand e Lestat desenvolvem uma relação de atração x repulsa, de ambos os lados, gerando uma série de mortes dos vampiros da congregação, para no fim se entenderem. Armand conta a Lestat sua história, e o filho do marquês se torna obcecado pela figura do mestre de Armand, Marius, outro vampiro antigo que muitos acreditam ter sido morto séculos atrás. Mas Lestat acredita que não. Os membros que restaram da congregação, junto de um Nicolas transformado e transtornado por sua condição de vampiro, formam o Teatro dos Vampiros, que também vimos anteriormente em Entrevista, e Armand passa novamente a liderá-los.
Gabrielle e Lestat partem de Paris pouco antes da Revolução Francesa acontecer. Gabrielle é uma vampira diferente de Lestat: ela quer se afastar dos humanos, quer estar entre a natureza, entre civilizações "primitivas", afastada dos humanos que conheceu. Lestat, entretanto, quer continuar em contato com seus antigos conhecidos, quer notícias de seu pai, e quer, acima de tudo, encontrar Marius. Quando descobre que a mãe estava escondendo sua correspondência, em que o advogado de Lestat contava a ele que toda sua família, exceto seu pai, estavam mortos — assassinatos frutos da Revolução —, e que seu pai havia sido enviado para Nova Orleans em segurança, Lestat resolve partir para protegê-lo, estar junto dele, apesar de todas as desavenças do passado.
Mas, antes de partir, Lestat entra em sua primeira "morte" — ele entra embaixo da terra e permanece sem se alimentar, se tornando uma criatura cadavérica com o tempo. É nesse estado que Marius finalmente o encontra. Marius leva Lestat para sua casa, e apresenta a ele alguns dos mistérios dos vampiros. Marius conta a ele uma longa história sobre sua vida, sobre seu encontro com Aqueles que Devem Ser Conservados, sobre como chegou onde chegou. Lestat conhece muitos segredos dos vampiros, e Marius pede a ele que jure nunca falar nada sobre o que conversaram aqueles dias.
Bom, O Vampiro Lestat se inicia com pensamentos de Lestat, mas o desenvolvimento do livro e toda a história do personagem é uma resposta ao Entrevista do Vampiro. Então, no lore que amarra as Crônicas, Lestat publicou a resposta, e seu livro conta tudo que Marius pediu que ele não contasse. O epílogo mostra o que houve depois da publicação, onde está Lestat, e alguns reencontros emocionantes do vampiro com alguns companheiros de longa data.
Li O Vampiro Lestat na edição nova da Rocco, em ebook, com tradução de Reinaldo Guarany. Tentei lê-lo em inglês, de uma edição que ganhei há alguns anos, mas eu estava com preguiça, queria ler o livro traduzido, e que bom que tinha essa opção, se não eu teria demorado mais alguns meses para terminá-lo — e não por ser ruim, mas ele é denso, e descritivo, e tantas coisas acontecem.
Eu fiquei fascinada com toda a história do Lestat. É um personagem completamente diferente do que conhecemos em Entrevista. Ele é mais preocupado, mais carismático, mais interessante — o que, por si só, já me fez admirar Anne Rice: ela conseguiu expor uma grande área cinza entre o que Louis pensava sobre Lestat e o que Lestat acha dele mesmo. Um exemplo de narrativa, de pontos de vistas diferentes, de mudanças drásticas sobre o que achamos de nós e o que os outros pensam. E, além disso, um exemplo perfeito de como narradores em primeira pessoa podem ser pouco confiáveis. Não confio em todas as palavras de Lestat, mas acredito nele. Mas tudo que ele contou era a verdade dele, como era a verdade de Louis o que lemos em Entrevista, e é algo que o próprio Lestat confirma no epílogo: ele sabe que tudo que Louis contou, contou de sua própria forma, a partir de seus sentimentos.
Outro ponto, e comentei sobre ele rapidamente na edição #4 da minha newsletter, é como Anne Rice demonstra ter domínio sobre o que ela está escrevendo. Há um momento em que Lestat e Armand conversam e Lestat conta a ele como a época em que eles estão é diferente, como ela precisa de um novo mal, e ele é esse novo mal. Às vezes não percebemos que os medos de cada época mudam, e com eles mudam as representações desses medos. Anne Rice demonstra isso por meio de um diálogo muito simples: os receios mudaram, logo nós, monstros, precisamos mudar e nos adaptar também. Eu fiquei extremamente feliz por isso, é uma tecla que tenho tocado há anos sobre as mudanças no terror, que acompanham as mudanças sociais — e quando menciono terror, digo também o sentimento humano de sentir medo, as percepções do que é aterrador dependendo das mudanças sociais, políticas e culturais.
Rice também sabe sobre o que está escrevendo. Ela conhece, minimamente, a história dos vampiros, e isso é deixado claro também por meio de dois momentos em falas de Lestat, que comenta sobre como ele não era "o primeiro vampiro aristocrático", que logo permearia as prosas, na virada do século. Logo ao final de sua narrativa, quando encontra Armand, Lestat comenta sobre como o outro vampiro o culpou pelas histórias que aconteceram, sobre como ele era culpado por ter mostrado ao mundo como eram os vampiros, levando a crer, dentro do lore das Crônicas, que Lestat é responsável pela literatura de vampiros do século XIX: os vampiros aristocráticos. Tecnicamente, a primeira figura de vampiro aristocrático, que moldou o resto da literatura de vampiros, foi Lord Ruthven, do conto "O Vampiro", de John Polidori, que é citado no livro (assim como Varney, Carmilla e Drácula, os quatro vampiros mais importantes do XIX). Eu sou extremamente interessada em vampiros, sendo um de meus assuntos favoritos, então esses detalhes me fizeram ficar ainda mais encantada. Anne Rice não ignorou as lendas que vieram antes dela. Ela as adicionou em sua criação, deu explicações a elas, interagiu com elas e seus personagens as conheciam. Ela conhece bem as regras — inclusive as da própria história que criou.
Um ponto que pode ser negativo na leitura, para alguns, é que a escrita da Anne Rice, por si só, é densa. Enquanto lia 10 páginas, parecia que tinha lido 50, e estava exausta muito rápido. Demorei umas duas semanas para lê-lo, e isso para um livro de 570 páginas, para mim, é muito. Não estou apostando uma corrida, mas conheço meu ritmo de leitura, e percebi que todos os livros da Rice que li até agora foram extremamente densos. E não tenho outra palavra pra definir. Eles não são lentos, eles tem, sim, muitos acontecimentos, e poucas páginas já me deixavam cansada. Isso me fez querer muito chegar logo ao final. Não me incomodou, exatamente, mas me terminei a leitura no feriado à tarde e estava exausta.
Mas, no geral, nunca achei que iria me encantar pelo Lestat. Sempre foi um personagem muito desprezível pra mim (e isso pode ser, também, pelas minhas péssimas experiências com Entrevista). Mas eu amei a leitura, amei o personagem, estou, sim, um pouco apaixonada pelo Marius, e estou ansiosa para conhecer Rainha dos Condenados em breve — depois de umas férias de umas três semanas, por favor, preciso de um tempo desse casos de família dos vampiros.
Foi uma excelente jornada, e estou curiosa do que acontece em seguir.
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