O Homem da Forca, de Shirley Jackson
Recentemente, 8 de agosto, datou o aniversário de falecimento de Shirley Jackson, que faleceu em 1965. Jackson é, provavelmente, minha autora favorita, e não é com pouca frequência que penso na sua importância para o terror.
O Homem da Forca, lançado recentemente pela Editora Alfaguara, com tradução de Débora Landsberg, é o terceiro livro da autora a ser lançado no Brasil, além de seu conto "A Loteria", que foi lançado em uma coletânea. Comprei ele no instante em que entrou em pré-venda, e assim que ele chegou comecei a lê-lo.
Esses dias estava lendo minha resenha sobre o conto "A Loteria" (aqui), e vi a seguinte frase: "Mas, se você conhece minimamente as obras da Shirley Jackson, pode ter certeza de algumas coisas: 1) não vai acabar bem; 2) a história não é sobre aquilo que você está esperando". É algo que reparei com muita força em Dark Tales (aqui), livro de contos de Jackson que li esse ano, e é algo que percebi com ainda mais força em O Homem da Forca.
No livro, conhecemos a adolescente Natalie Waite, filha de um escritor famoso e uma dona de casa, daquelas que serviam coquetéis chiques para os convidados de seu marido. Natalie está a poucos dias de ir para a universidade, e está empolgada e um pouco nervosa com o acontecimento. No último coquetel que seu pai organiza, algo traumático acontece com Natalie e, dali em diante, ela tenta seguir com sua vida, tentando apagar e ignorar o que aconteceu. Mas Natalie acaba também entrando em um universo intimista e perigoso dentro de si mesma, que pode levá-la a confundir o que é ficção e o que é realidade.
Tenho algumas considerações importantes sobre Natalie antes de entrar no próprio livro e o que achei dele: Natalie é uma garota inteligente, mas que tem sentimentos muito complexos sobre si e sobre as pessoas que a cercam. Todos os dias, seu pai a recebe em seu escritório para ler o que ela tem escrito, e é um momento agradável entre os dois, em que eles podem estar a vontade. Natalie, enquanto tem o pai como figura de afeto, não sente o mesmo pela mãe, chegando a se sentir desconfortável com a proximidade das duas em uma tarde, no coquetel. Quando sai desse ninho de cuidado para um lugar estranho, em que tem que conviver com outras pessoas, com o problema de outras pessoas, com seus próprios novos sentimentos, Natalie começa a se quebrar. E começa a se quebrar pois dentro dela habita muita imaginação, que a afasta dos problemas diários, e uma auto estima que construiu por si mesma, na figura de uma persona com quem conversa em seus diários. Natalie se colocou superior ao mundo lá fora, mas essa casca fica muito frágil em contato com outras garotas, e mulheres, na universidade.
"Não que realmente preferisse o jardim a vários outros cantos do mundo; preferia, por exemplo, ter ficado sozinha no quarto com a porta trancada, ou sentada na grama à margem de um riacho à meia-noite, ou, se tivesse liberdade total de escolha, parada, imóvel, encostada numa coluna de um templo grego ou em uma carroça de condenados à guilhotina em Paris, ou em um enorme e solitário rochedo acima do mar, mas o jardim ficava mais perto, e o pai gostava de vê-la de manhã perambulando entre as rosas."
O Homem da Forca foi descrito por Francis Booth, no livro Girls in Bloom: Coming of Age in the Mid-20th Century Woman’s Novel, como um coming of age, com uma escrita controlada e magistral, e acho que não poderia concordar mais. Diversas vezes, lendo a figura de narração nos contando o que se passava na cabeça de Natalie, me peguei pensando que já tive sentimentos parecidos. O livro, afinal de contas, nos conta uma mudança drástica na vida de Natalie, que está passando da adolescência para a idade adulta, e isso ocorre a partir da mudança de local: de sua casa, para a Universidade; e a partir da mudança de sua própria mentalidade. Os choques entre o que achava que sabia e o que realmente acontece no mundo exterior, longe dos olhos dos pais, são enormes. Natalie também passa por momentos de dissociação que não consegue ter certeza se fez coisas ou não as fez.
Para Ruth Franklin, autora da biografia de Jackson chamada A Rather Haunted Life, e para outros estudiosos do tema, O Homem da Forca é o romance mais autobiográfico de Shirley. Não sabemos até que ponto os acontecimentos do livro se assemelham com os acontecimentos da vida de Jackson, mas sabe-se que, ao menos no que diz respeito a mentalidade da personagem principal e criadora da obra, existem semelhanças fortes. Ainda não cheguei no momento em que Franklin fala sobre O Homem da Forca na biografia de Shirley, mas sabe-se que, além da protagonista ter sua similaridade com a autora, outros acontecimentos pessoais e externos a Jackson afetaram a escrita do livro.
O Homem da Forca também é uma das figuras centrais do filme Shirley, dirigido por Josephine Decker, que narra acontecimentos fictícios misturados com partes biográficas da vida da autora.
No final, O Homem da Forca não é um livro simples. Ele é uma montanha russa que passa por um túnel. É difícil demais saber o que esperar do lado de lá, não conseguimos ver o que tem pela frente. Mesmo que algumas vezes a narrativa pareça monótona, estamos falando a vida de uma adolescente dos anos 1940 ou 1950, e as transformações em sua mentalidade e como isso afeta o seu meio é que são importantes aqui. O livro, nesse sentido, se assemelha muito mais a Sempre Vivemos no Castelo do que, por exemplo, Assombração da Casa da Colina, mas com a diferença de que o tempo todo nos perguntamos: certo, e onde está Natalie? O que é real e o que não é? Comparado a Dark Tales, entretanto, O Homem da Forca possui muito menos a ironia de Shirley, e muito mais a atenção ao interior de sua personagem.
É difícil dizer que essa era uma leitura muito além do que eu esperava, porque nunca se sabe o que esperar de um livro da Shirley Jackson. A grande surpresa seria se a história pegasse o caminho mais fácil para nos contar para onde está nos levando. Se eu pudesse deixar pelo menos uma recomendação antes de entregar esse livro nas mãos das pessoas, seria para que ele fosse lido com o coração aberto, esquecendo por um segundo as outras obras da autora, se lembrando somente que há uma mente agitada, fragmentada e confusa por ali, e que essa personagem quer ser vista e ouvida, e merece esse voto de confiança, por mais difícil que ela possa parecer.
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