Under the Shadow: sob a sombra do medo, do mito e da guerra

by - março 19, 2018

Personagem Shideh, interpretada por Narges Rashidi, de frente para uma janela sob a sombra de um X, como se estivesse sob um alvo.

Under the Shadow é um filme de 2016, dirigido por Babak Anvari, e conta a história de uma mãe tentando encontrar forças para lidar com a situação de sua vida, com uma filha e um marido, em Teerã, capital do Irã, uma das cidades afetadas pela Guerra das Cidades, na década de 1980.



Shideh (Narges Rashidi) é uma mulher que vive numa situação difícil. Após ter seu passado de esquerda revolucionária exposto, após a revolução do Irã, não consegue voltar a estudar medicina, sendo condicionada a viver dentro de um modelo que ela não sustenta: ser a dona de casa, cuidando de sua filha, enquanto seu marido arrisca a vida durante a Guerra das Cidades.

O contexto do filme é essa revolução, política e cultural, que o Irã estava passando ao final da década de 1970 e suas consequências durante a década de 1980, como a guerra Irã-Iraque. Quem quiser compreender um pouco mais, os artigos Revolução Iraniana e Guerra Irã-Iraque explicam um pouquinho do que estava acontecendo no país. Mas, é preciso se compreender que o regime era violento, supervisionado pela polícia 24 horas, e toda a cultura ocidental foi excluída/expulsa do país. Em uma das cenas do filme, por exemplo, Shideh pede para que a filha nunca comente na frente de estranho que eles tem um vídeo cassete, pois pode ser tomado deles.

Em meio ao regime assustador e a crescente sombra da guerra, Dorsa (Avin Manshadi), filha de Shideh, passa a acreditar e sentir a presença de djinns, criaturas/gênios da mitologia árabe. São essas criaturas, enfim, que darão o ar sobrenatural ao filme; enquanto a vida de uma família em meio a uma guerra é contada, é a partir dessas criaturas, então, que sentimos o ar de insegurança e medo que a guerra proporciona, uma alegoria para o que está havendo nesse momento de conflito. Não bastasse toda a situação horrível, o terror da própria guerra, sentimos o desespero de Shideh ao se imaginar louca, ao pensar que sua filha está com problemas, acreditando em contos de fadas. Toda a insegurança e o medo são colocados lado a lado com o real e o imaginário entre a guerra e a possível perseguição de djinns.

Em uma conversa entre vizinhas, quando está se preparando para fugir do país em guerra, Sra. Fakur (Soussan Farrokhnia) diz à Shideh que “as pessoas se convencem de que qualquer coisa é real, se quiserem”. O clima de inquietação é tão grande que duvidamos de que os pesadelos de Shideh e Dorsa possam ou não serem sua pura imaginação, ou se são realmente provocados por forças traiçoeiras, que estão perseguindo a família. Até o final do filme, inclusive, mesmo com todas as cenas em que Shideh e Dorsa se encontram com problemas, é difícil reconhecer se é a guerra, os djinns, ambos ou nenhum que estão transformando a vida das duas em uma corrida para manterem a mente sã. E é algo que estamos acostumadas nos filmes de terror, duvidar da sanidade das mulheres que fazem de tudo para protegerem suas famílias e aqueles a quem elas amam.

O protagonismo feminino é outro ponto importante do filme. Shideh resiste até o último momento para se manter em sua casa, protegendo sozinha sua filha, já que seu marido estava trabalhando no olho do furacão da guerra. Como não poderia voltar a estudar e ser a médica que queria ser, Shideh assume o papel de mãe e dona da casa, mesmo que não queira, e permanece até onde pode. Mas percebe, antes de ser tarde demais, que é necessário sair dessa situação e lutar, antes que os djinns e a guerra a alcancem, e alcancem Dorsa.

Shideh, em certo momento, pega emprestado de Sra, Fakur um livro de um escritor iraniano, Sa’Edi, chamado O Povo do Ar, para tentar compreender o que está acontecendo com ela e sua família. Uma frase, importante para o filme, aparece em destaque:

Os ventos se referem a forças etéreas e mágicas que podem estar em qualquer lugar… Onde existe medo e ansiedade, o vento sopra.

É esse medo e essa inquietação que faz com que os djinns, existentes ou não, cresçam na vida da família de Shideh, até chegar o ponto de que toda sua resistência se esvai, e ela decide, pelo próprio bem e pelo bem da filha, fugir da cidade. Abandonar sua vida, mesmo que tão difícil até ali, e buscar um lugar melhor.

Talvez, para nós, seja difícil compreender o quão assustador é viver em um país marcado por guerras, onde mísseis podem ser jogados em sua casa e ataques aéreos façam disparar um alarme que te faça sair da cama no meio da noite e correr até um abrigo, mas Under the Shadow é um filme que te faz ter, no mínimo, um pouco de consciência da aflição e do medo diário de se viver assim. É um filme importante e necessário, com a história de uma personagem feminina fortíssima e lutadora.

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