Kiss of the Damned e o relacionamento complicado entre duas irmãs

by - março 06, 2018


Kiss of the Damned é um filme de 2012, dirigido por Xan Cassavetes.



O filme narra a história de Djuna (Josephine de La Báume), uma vampira que se alimenta através de animais que ela mesma caça. Ao se encontrar com Paolo (Milo Ventimiglia), se apaixona de imediato. Apesar de, em um primeiro momento, perceber que seria um relacionamento complicado, acaba por transformar Paolo em vampiro, para que pudessem passar suas vidas juntos. Djuna vive bem por alguns dias com Paolo após sua transformação, mas a visita de sua irmã acaba deixando as coisas bastante tensas. Mimi (Roxane Mesquida) é o oposto de Djuna, e não compartilha do posicionamento da maioria dos vampiros sobre os humanos.

Se você ainda não viu o filme e não gosta de spoilers, é melhor retornar depois.


Entre todas as questões que podemos observar em Kiss of the Damned, a relação entre as duas irmãs talvez seja a que mais chama a atenção. A própria figura de Mimi, por exemplo, poderia ser motivo para um texto enorme. Toda sua vontade de provar que humanos são inferiores, todos os paralelos com uma superioridade tratada em algumas obras de vampiros. Meu recorte, entretanto, procurou se manter entre a figura das duas irmãs e a escolhas de direção de Cassavetes.

Kiss of the Damned poderia ser somente mais um filme de romance com vampiros, e algumas pessoas podem até pensar que seja somente isso mesmo, mas se você para pra pensar nas duas personagens principais e nas sutilezas que a diretora acrescenta ao longo do filme, você percebe que ele é tem algumas camadas interessantes.

Começando pelo relacionamento entre as duas irmãs: Djuna e Mimi são personagens opostas em personalidade, aparência e até representam coisas e épocas diferentes: Djuna é uma mulher alta, de postura ereta. Trabalha como tradutora de poemas, se veste com vestidos longos de cores sóbrias e usa seus cabelos ruivos soltos sobre os ombros, não parecendo ter saído deste século. Sua personalidade é romântica, e isso pode ser percebido por seu tom de voz e em suas atitudes: todas as vezes após se alimentar, Djuna enterra suas caças, pois deixar os animais expostos daquela forma faz com que ela fique desconfortável. Mimi, ao contrário, é mais baixa que sua irmã. Sua postura é sedutora, seus cabelos são escuros e geralmente são usados presos. Se veste de preto, vermelho ou branco, com roupas comuns aos dias de hoje, como roupas de couro. Sua personalidade é rebelde, e se alimenta principalmente de humanos, deixando-os, da forma como ela terminou de se alimentar, para serem encontrados.


Djuna está presa em uma condição, e leva sua vida com o peso de uma maldição, mas decide querer compartilhá-la. Mimi aceita sua maldição, a abraça, mas confessa que não faria algo assim com alguém que ama, pois é uma condição miserável.

Djuna evoca a imagem do vampiro moderno pós Drácula: ela consegue amar e “romantiza” os humanos, fazendo deles pessoas com quem pode conviver. Apesar de morar em uma casa reclusa, no meio de uma floresta, trazendo à mente uma imagem de vampiro aristocrata, Djuna mantém várias pequenas sutilezas que nos remetem ao vampiro que estamos acostumados aos dias de hoje. Mimi, por outro lado, não tem moradia fixa, é cruel, evoca o vampiro antigo do século XIX: humanos são alimentos, e sua sede deve ser e será saciada.

O filme inteiro é focado no relacionamento e nos contrapontos entre as duas irmãs. O romance de Paolo e Djuna é usado como pano de fundo, principalmente para demonstrar a forma como Mimi age e pensa. Após uma cena de sexo com Paolo, Mimi se levanta e diz “se uma parte sua não me quisesse, isso nunca teria acontecido”. Sabemos que isso é verdade, percebemos como Paolo se sente na presença de Mimi desde que ela chegou na casa de sua irmã. A questão é que, ao invés de esconder isso, Paolo conta para Djuna. E são essas pequenas coisas que fazem com que percebemos que a direção feminina altera a trama.

Cassavetes tem uma mão própria ao dirigir o filme. Ela mostra como ambas as irmãs são destoantes, e não é através de um relacionamento amoroso que elas se mostram inimigas: elas são inimigas porque ambas tem posicionamentos e visões de mundo diferentes. Paolo não se sente dividido entre Mimi e Djuna, pois tem certeza de quem ama, mas a presença de Mimi, suas atitudes e sua forma de lidar com as coisas, despertam um sentimento exótico nele. Ao trair Djuna, entretanto, ele não esconde, ele conta a situação para ela. Em momento algum Cassavetes demonstra que Paolo está absolutamente arrependido, que aquilo não passou de uma noite, que a traição foi culpa de Mimi e ele somente uma vítima das circunstâncias.

Cassavetes nos conta que a traição foi da parte de ambos, e Paolo aceita isso, e encara isso da forma como deveria encarar. A mão de Cassavetes na direção ainda é mostrada em todas as cenas de sexo: não vemos ângulos absurdos ou desnecessários. A diretora acrescenta cenas de sexo sim, principalmente ao diferenciar as duas irmãs e a forma como elas se relacionam com os homens, mas não precisa do sexo apelativo, pois ela sabe que seu público conhece o que é o sexo.




Kiss of the Damned acaba sendo um filme honesto em sua proposta: uma relação complicada entre duas irmãs, que é complicada desde sempre, e não é causada por um relacionamento amoroso. As escolhas de ambas as levaram até ali. É uma história sobre vampiros, mas tem menos romance do que possa parecer. Entre tantos filmes de vampiros que trataram a mulher como um adereço, é bom poder assistir a filmes que trazem protagonismo e nos mostram diferenças além do relacionamento amoroso.

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1 comentários

  1. Achei interessante ele aceitar a imortalidade em nome do amor.
    As "loucuras" de amor...
    Acho que até eu aceitaria.....

    interessante... Djuna caçar animais pra evitar caçar humanos....

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